Economia

Reforma da Previdência, alta da inflação e do desemprego e agenda liberal emperrada: os mil dias de Bolsonaro na economia

Para analistas, reformas prometidas avançaram pouco e desempenho do PIB está descolado da média mundial
Bolsonaro e Guedes: para analistas, agenda prometida avançou pouco e desempenho do PIB está descolado da média mundial Foto: 11/08/2021 / Agência O Globo
Bolsonaro e Guedes: para analistas, agenda prometida avançou pouco e desempenho do PIB está descolado da média mundial Foto: 11/08/2021 / Agência O Globo

BRASÍLIA — Ao longo dos mil dias do governo Bolsonaro, o ministério da Economia viveu um ajuste entre a expectativa e a realidade. A expectativa: fazer reformas estruturantes, privatizar estatais, reduzir o número de desempregados.

A realidade: apenas a reforma da Previdência foi aprovada, foram criadas novas empresas públicas — nenhuma foi vendida — e o número de pessoas à procura de trabalho aumentou. Além disso, o apoio do presidente à agenda liberal encolheu à medida que crescem os esforços para a reeleição.

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Em meio às crises vividas pelo governo Bolsonaro nos últimos mil dias, a situação econômica do Brasil foi se deteriorando com o passar do tempo, sobretudo durante a pandemia de Covid-19.

Se nos dois primeiros anos de gestão o país conseguiu entregar inflação dentro das faixas da metas do Banco Central, em 2021 ela deverá ser mais que o dobro. O IPCA-15 já passa de 10% em 12 meses, e a previsão é que feche o ano em 8,35%, superando o centro da meta, de 3,75%, e o teto, de até 5,25%.

Preço da gasolina

Além de a conta do mercado ficar mais salgada, o brasileiro sentiu no bolso a alta do preço médio do litro da gasolina. Antes da posse do presidente, o custo médio do litro do combustível era de R$ 4,33. Nesta semana, chegou a R$ 6,076, uma alta de 40,3% no período, segundo dados da Agência Nacional de Petróleo (ANP).

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Isso teve reflexo direto na Petrobras. Sob pressão dos caminhoneiros, insatisfeitos com o aumento do custo com combustível, Bolsonaro anunciou numa live em fevereiro que interferiria na estatal. O efeito foi imediato: as ações da companhia registraram uma desvalorização histórica.

No mês seguinte, o então presidente da empresa, o economista Roberto Castello Branco, homem de confiança do ministro da Economia, Paulo Guedes, foi substituído pelo general da reserva Joaquim Silva e Luna.

Troca-troca

A trocas de cargos estratégicos se tornou uma prática recorrente no governo Bolsonaro, e a equipe econômica também sofreu baixas. Secretários como Paulo Uebel, responsável por conduzir a reforma administrativa, e Salim Mattar, destacado para tocar as privatizações, deixaram o governo insatisfeitos com a paralisação da agenda liberal.

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— Tivemos um início de governo prometendo uma série de reformas liberais, mas poucas coisas avançaram, com exceções de questões menores, como a nova Lei das Falências e o novo marco do Saneamento. O resto vinha do governo Temer  — diz Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.

Ele complementa:

— O PIB global caiu 3,3% em 2020 e subirá 6% neste ano, enquanto que no Brasil caiu 4,1% no ano passado e deverá subir 4,7% em 2021, ou seja, na comparação com o resto do mundo nosso resultado é negativo

Considerado um dos “desafios urgentes” do país no programa de governo de Bolsonaro, a fila de desempregados passou de 13 milhões de pessoas para as atuais 14,4 milhões . Embora grande parte desse cenário nos últimos dois anos seja decorrente dos efeitos causados pela pandemia, iniciativas da equipe econômica para gerar empregos, como a Carteira Verde e o Bônus de Inclusão Produtiva (BIP), estão emperradas.

Enquanto isso, segundo levantamento do GLOBO , dentre as palavras mais utilizadas pelo presidente em seus discursos e posts no Twitter desde janeiro de 2019 até então não constam "emprego", "inflação", "combustível" nem referências a projetos da equipe econômica.

Falta de empenho e estratégia

Na avaliação de especialistas, faltou empenho do presidente em aprovar projetos para melhorar a condição do mercado de trabalho. Segundo eles, mesmo pontos positivos da economia que avançaram, como a reforma da Previdência, a melhora no ambiente de negócios e concessões, foram frutos de uma gestão anterior à de Bolsonaro.

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Por outro lado, muitos veem retrocessos na agenda liberal como o aumento, mesmo que provisório, do IOF para bancar o avanço do novo programa social que o governo quer fazer funcionar às vésperas das eleições em 2022, rasgando a promessa de não aumentar impostos.

— O que fica mais forte hoje para o mercado e para os empresários é que este governo não tem uma estratégia. Não tem uma agenda clara. Ele foi eleito muito por causa do fracasso econômico de outros governos e partidos, prometendo uma agenda liberal ousada, e o que vimos foi o aumento das incertezas — afirma Juliana Inhasz, professora do Insper, que classifica como maior frustração a falta de uma reforma tributária robusta.

Ela complementa:

—  Assim, muitos agentes econômicos perderam o fundamental para investir e crescer: a previsibilidade. Com este presidente todo dia é dia de surpresas, isso embute um risco político que é péssimo para os negócios.