Crise da Evergrande traz temor sobre 'novo Lehman Brothers', mas analistas veem exagero

Preocupação no mercado financeiro mundial aumento quando a gigante de construção chinesa contratou os assessores por trás da reestruturação da dívida do banco americano, que quebrou em 2008

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Foto do author Altamiro Silva Junior

O potencial colapso da gigante de construção chinesa Evergrande, uma das companhias mais endividadas do mundo, trouxe de volta ao mercado financeiro mundial o temor de que a companhia possa ser o próximo Lehman Brothers, o banco americano que quebrou em 15 de setembro de 2008 e desencadeou uma das maiores crises financeiras da História.

A Evergrande até contratou esta semana os assessores por trás da reestruturação da dívida do Lehman, o que só ajudou a aumentar as preocupações e os temores de um default (calote) próximo, mas analistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast não veem maiores semelhanças com o episódio de 2008. 

Pessoas trabalham em frente a complexo da Evergrande em Guangzhou, na China Foto: Noel Celis/AFP

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Uma eventual quebra da construtora pode gerar turbulência no mercado internacional, afetando principalmente os emergentes mais vulneráveis, aqueles com problemas fiscais e/ou das contas externas. Os analistas citam Brasil, África do Sul e Turquia com potencial de serem os mais afetados por um episódio de estresse, justamente por estarem no topo no ranking de maior vulnerabilidade, como o do Bank of America. 

Mas, diferente da crise de 2008, caso a Evergrande venha a quebrar, não se espera um congelamento do mercado financeiro mundial, como aconteceu após o debacle do Lehman, que paralisou o mercado de empréstimos mundial por semanas.

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Ao contrário do banco americano, a Evergrande não é uma empresa financeira, ou seja, seu efeito sistêmico, embora exista, não pode ser comparado a de um grande banco. Por isso, o economista da consultoria inglesa Capital Economics, Simon MacAdam, acha exagerada as comparações. No pior cenário, que seria a quebra da companhia chinesa, com passivos de aproximadamente US$ 300 bilhões, o reflexo seria "alguma turbulência" no mercado financeiro internacional, afetando principalmente os emergentes. O Lehman, em 2008, tinha o dobro do passivo.

Um efeito mais indireto, diz MacAdam, seria se a quebra afetasse todo o setor de construção do país a ponto de provocar um esfriamento da economia, levando Pequim a reduzir importações, o que afetaria os exportadores de commodities (produtos básicos, como alimentos, minério de ferro e petróleo, cotados em dólar) para o país asiático, como o Brasil. Por ora, a Capital Economics diz que os bonds da empresa despencaram e suas ações acumulam queda de mais de 80% este ano, mas o contágio para outros ativos - tanto dentro quanto fora da China - tem sido limitado.

Pequim sinalizou que é para a Evergrande "se virar sozinha" com a questão da sua dívida, diz o chefe global de mercados e pesquisa do ING, Chris Turner, em relatório. Mas a avaliação é que se a coisa piorar, o governo chinês pode fazer algum tipo de ajuda financeira, evitando o pior cenário.

É pouco provável que Pequim socorra totalmente a empresa. Primeiro, porque os dirigentes do Partido Comunista estão mais preocupados com as gigantes do setor de tecnologia e os dados que armazenam. Segundo, porque o próprio governo quer que o setor de construção reduza fortemente seu endividamento. Essa intenção ficou clara no começo deste ano, quando Pequim estabeleceu métricas financeiras para desalavancar o segmento e a Evergrande não passou em nenhuma.

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Na visão do analista de mercado financeiro em Nova York da corretora Oanda, Edward Moya, o nervosismo nas Bolsas na quinta-feira, 16, por causa do possível efeito da quebra da empresa, acontece especialmente em um momento que os indicadores de atividade estão vindo fracos.

O JPMorgan vê no episódio da Evergrande, que tende a se arrastar, o maior risco para o perfil de crédito da China, com potencial de criar um efeito dominó entre fornecedores e pequenos emprestadores. Na quinta, a empresa suspendeu a negociação de seus bônus no país e ainda tem US$ 8 bilhões a vencer. O problema é a crise de liquidez autoalimentada da empresa: as vendas despencaram refletindo a queda da demanda e muitas obras pararam; assim falta caixa e não consegue pagar o serviço da dívida; sem crédito, não consegue recurso para tocar as obras.

Com a gravidade da situação, os analistas de crédito da Fitch Ratings alertaram esta semana que a situação da Evergrande, que já teve seu rating rebaixado, é grave e pode elevar o risco de crédito para vários segmentos, mas no setor financeiro, oferece risco maior para bancos pequenos. 

A S&P Global vê o default da empresa como praticamente uma certeza, o que deve levar a um amplo programa de reestruturação de dívida. Esse temor só aumentou esta semana com o anúncio da Evergrande da contratação da firma americana Houlihan Lokey, que cuidou do processo do Lehman e da gigante de energia Enron. 

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