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Evergrande é refém de pressão chinesa sobre o setor imobiliário

China quer esfriar o setor, mas sem correr o risco de perder um propulsor de crescimento

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James Kynge
Financial Times

Quando bolhas de ativos estouram, elas costumam seguir um roteiro conhecido. Especuladores vão longe demais e os preços disparam antes que a gravidade financeira seja restaurada com um estouro. É só então que os governos pensam em intervir para proteger o interesse público ou salvar uma empresa considerada grande demais para falir.

Mas a crise cada vez mais profunda que cerca o grupo Evergrande, da China, a companhia imobiliária mais endividada do planeta, está seguindo uma narrativa diferente.

São as restrições de Pequim às ações do setor imobiliário que estão por trás da apavorante trajetória da Evergrande. A ansiedade que a empresa, seus credores e os investidores do mercado de ações sentem não vai diminuir até que Pequim decida que o grau necessário de dor foi atingido.

Pessoas se reúnem na sede da Evergrande, Shenzhen, sudeste da China - Noel Celis - 16.set.2021/AFP

“Os investidores estão tentando descobrir, e com razão, qual é o limite de dor que Pequim considera aceitável, em termos de desaceleração de crescimento econômico a um ponto que levaria as autoridades a reverter o curso e relaxar os controles aplicado ao setor imobiliário”, disse Logan Wright, diretor da consultoria Rhodium Group em Hong Kong.

“Esse ponto de inflexão na política ainda está muito distante”, ele acrescentou. “É mais provável que Pequim decida esperar que sinais de desgaste financeiro se materializem, em lugar de agir preventivamente”.

O grupo Evergrande, que tem dívidas estimadas em US$ 355 bilhões (R$ 1,89 trilhão) com seus credores e 778 projetos em curso em 223 cidades, está sob pesado ataque. Suas ações, cotadas em Hong Kong, caíram em até 18,9% nesta segunda-feira (20), para seu valor mais baixo em 10 anos. A agência de classificação de crédito Fitch rebaixou a classificação dos títulos do grupo e advertiu que um calote de algum tipo “parece provável”.

Mas há algumas questões importantes ainda pendentes. A companhia será capaz de honrar os US$ 129 bilhões (R$ 687,9 bilhões) em pagamentos de juros sobre seus títulos que vencem este mês, ou os US$ 850 milhões (R$ 4,5 bilhões) que ainda tem a pagar pelo resto do ano? Esses pagamentos aos credores deveriam ser priorizados, ante os de “produtos de gestão de patrimônio” detidos por dezenas de milhares de especuladores chineses de renda mais baixa?

É claro que Pequim —que exerce influência decisiva sobre um setor bancário quase integralmente controlado pelo Estado— pode divulgar a qualquer momento uma ordem que resulte em resgate da Evergrande.

Mas a maioria dos analistas considera que Pequim está determinada a aumentar a pressão. O governo decidiu fazer da Evergrande um exemplo, a fim de deixar claro para outros incorporadores de imóveis que estava falando sério sobre as “três linhas vermelhas” que decretou no ano passado a fim de reduzir os níveis de dívida no setor e conter o excesso crônico de oferta no segmento de imóveis residenciais.

Mesmo assim, fica igualmente claro que Pequim não tem como arcar com o custo de ir longe demais. O setor imobiliário contribui com 29% do PIB (Produto Interno Bruto), e uma aniquilação da Evergrande colocaria todo o setor em risco e causaria problemas na recuperação do crescimento econômico que vem sendo registrada pós-pandemia.

Assim, Pequim está engajada em um exercício altamente delicado. Precisa infligir dor suficiente para provar que está falando sério, mas não dor tão intensa que venha a causar a morte de um dos mais importantes propulsores de crescimento econômico.

Tradução de Paulo Migliacci

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