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Bolsonaro avalia anunciar doação de vacinas anti-Covid a países vizinhos durante discurso na ONU

Mais cedo, ao ser questionado sobre o que dirá na Assembleia Geral, presidente disse que fala 'será em braille'
Presidente Jair Bolsonaro ao desembarcar no Aeroporto Internacional John F. Kennedy, em Nova York; ao fundo, a primeira-dama, Michelle Bolsonaro Foto: Alan Santos / Reprodução
Presidente Jair Bolsonaro ao desembarcar no Aeroporto Internacional John F. Kennedy, em Nova York; ao fundo, a primeira-dama, Michelle Bolsonaro Foto: Alan Santos / Reprodução

NOVA YORK — O presidente Jair Bolsonaro avalia anunciar a doação de doses da vacina contra Covid-19 a países vizinhos que apresentem baixos índices de imunização. Pressionado internacionalmente em temas como meio ambiente, direitos humanos e a a atitude do seu governo diante da pandemia, Bolsonaro irá inaugurar na terça-feira os debates gerais anuais da Assembleia Geral das Nações Unidas , algo tradicionalmente feito pelos líderes brasileiros desde 1955.

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A informação de que a doação de inoculantes poderá ser incluída na fala de terça foi confirmada à reportagem do GLOBO por diplomatas brasileiros que acompanham as discussões em torno da preparação do discurso presidencial. A possibilidade das doações já havia sido antecipada pelo jornal Estado de S. Paulo nesta segunda.

— O Brasil defende a ampliação do acesso de vacinas. Quando houver uma posição definitiva acerca desse tema, conversaremos com vocês [da imprensa] — disse o ministro da Saúde, Marcelo Quiroga, integrante da comitiva presidencial nos EUA. — O presidente Bolsonaro vai falar na ONU amanhã para todo mundo, né? Então é amanhã, vamos esperar. É como falava na novela, vamos assistir às cenas dos próximos capítulos.

O acesso igualitário às doses anti-Covid é um dos principais temas na reunião deste ano: até agosto, apenas 0,3% das vacinas contra a Covid-19 foram aplicadas nos países mais pobres do mundo . Entre as nações que se beneficiariam do que um diplomata brasileiro chamou de "diplomacia da saúde" — parte do esforço em apresentar uma agenda positiva na ONU — estão o Haiti e o Paraguai.

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Mais cedo, após tomar café da manhã no restaurante do hotel em que está hospedado em Manhattan, Bolsonaro foi questionado por repórteres sobre o teor de sua fala na Assembleia Geral, mas disse apenas que o discurso "será em braile". No fim da tarde, disse que será "em libras". Na semana passada, o presidente já havia afirmado a apoiadores que pretende apresentar em sua fala a " realidade do que é o nosso Brasil " e prometeu "verdades" em sua viagem aos Estados Unidos.

No domingo, o presidente, que se recusa a tomar a vacina anti-Covid, driblou a regra que exige comprovante de vacinação em restaurantes nova-iorquinos e comeu pizza em pé, na calçada. Pela legislação local, estabelecimentos com salões fechados só devem aceitar clientes com certificados de vacinação completo. A pizzaria escolhida por Bolsonaro, contudo, não tinha mesas internas.

A busca do governo por uma agenda positiva em Nova York é uma resposta à pressão internacional, especialmente no que diz respeito à sua desastrosa política ambiental. Segundo a série histórica do sistema Deter do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) , os dois primeiros anos do presidente no Planato registraram também os dois piores ciclos de desmatamento na Amazônia. E se o desmatamento na região caiu 32% em agosto , os números vistos entre março e junho foram os maiores já registrados .

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A resposta do governo à pandemia de Covid-19 é outro motivo de críticas: com mais de 21,2 milhões de casos registrados, o Brasil é a terceira nação do planeta com o maior número de infecções, atrás apenas dos Estados Unidos e da Índia. No número de mortes, é o vice-líder, atrás apenas dos EUA. Desde o início da crise sanitária, já morreram mais de 590 mil brasileiros.

O avanço da vacinação no Brasil, contudo, faz com que o cenário pandêmico venha melhorando no Brasil: no domingo, a média móvel de novas mortes foi de 558. Até o momento, o país já vacinou 66,39% de sua população com ao menos uma dose, enquanto 37,64% já completaram seu ciclo vacinal (seja com as duas doses ou com a injeção única da Janssen).

— Nós temos uma perspectiva real, com base nas doses que já distribuímos, de ter até o final de outubro toda a população com mais de 18 anos vacinada com as duas doses. Já distribuímos vacinas para idosos para a dose de reforço. Poucos países já fizeram isso — disse Quiroga, afirmando que o Brasil vai muito bem na inoculação.

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A mudança no quadro sanitário brasileiro impulsionou também uma melhora na situação regional. A América do Sul, que desde abril era a que registrava mais mortes por Covid-19, viu uma queda dos óbitos desde junho e foi ultrapassada pela Europa e pela América do Norte, especialmente devido aos surtos do coronavírus em estados americanos onde há baixa adesão à vacina.

Se o Chile e o Uruguai já vacinaram com ao menos uma dose quase 80% de suas populações, contudo, a situação de alguns vizinhos é mais complicada. Colombia, Peru, Paraguai e Equador, por exemplo, ainda não conseguiram aplicar a primeira dose nem na metade de suas populações, diante da dificuldade de obter doses.

A agenda pública do presidente brasileiro tem dois compromissos previstos para esta segunda-feira. Por volta de 12h40, horário de Brasília, teve uma reunião bilateral com o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson. De noite, participará de uma recepção oferecida pela representação permanente do Brasil junto às Nações Unidas.

Já na terça de manhã, Bolsonaro participará de reuniões com o presidente polonês, o ultraconservador Andrzej Duda, e com o secretário-geral da ONU, António Guterres. A fala de abertura na Assembleia Geral está marcada para as 10h, no horário de Brasília. O retorno do presidente para o Brasil está previsto para a noite de terça.