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Política Jair Bolsonaro

PGR diz ao STF que Jair Bolsonaro iniciou convocações para atos antidemocráticos de 7 de setembro

É a primeira vez que o órgão cita nominalmente Bolsonaro dentro do inquérito que apura o financiamento e a organização dos atos
O presidente Jair Bolsonaro participa do evento 1000 Dias de Governo Foto: Rodney Costa/Futura Press
O presidente Jair Bolsonaro participa do evento 1000 Dias de Governo Foto: Rodney Costa/Futura Press

BRASÍLIA — Com o avanço das investigações sobre os atos antidemocráticos do último dia 7 de setembro, a Procuradoria-Geral da República (PGR) identificou que a organização dessas manifestações teve início após uma convocação feita pelo próprio presidente Jair Bolsonaro semanas antes.

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É a primeira vez que a PGR cita nominalmente Bolsonaro dentro do inquérito, em um documento sigiloso enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF) em 4 de setembro. O procedimento ainda não deixa claro, entretanto, se o presidente é investigado neste caso, nem descreve quais seriam os eventuais crimes cometidos por ele em função de seu vínculo com os atos. Os ataques dele à Corte já também já lhe renderam a inclusão como investigado no inquérito das fake news.

A partir das provas colhidas, a PGR também tenta rastrear a participação de ministros do governo na organização desses atos. Com isso, a investigação avança para as digitais do Palácio do Planalto nas manifestações antidemocráticas. O GLOBO teve acesso a detalhes inéditos do inquérito, que tramita em sigilo no STF, sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes.

Para a subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo, responsável pelo caso, a convocação para ataques às instituições democráticas teve início no dia 15 de agosto, quando Bolsonaro teria divulgado uma mensagem para seus contatos no WhatsApp defendendo a organização de um “contragolpe” às manifestações contrárias à sua gestão. O texto da mensagem enviada por Bolsonaro, revelada na época pelo portal "Metrópoles", pede que seus apoiadores saiam às ruas no dia 7 de setembro para participar de manifestações pró-governo.

No documento, a PGR cita essa divulgação como sendo uma “entrevista” dada por Bolsonaro. “A princípio, a organização da realização de prováveis atos de ataque à democracia e às instituições iniciou-se com entrevista do presidente da República informando que haveria ‘contragolpe’ aos atos entendidos como contrários à sua gestão, em 15 de agosto do presente ano”, escreveu Lindôra.

Por isso, a PGR estabeleceu o dia 15 de agosto como “marco temporal em que iniciadas as convocações para os atos antidemocráticos previstos para o dia 7.9.2021”. Com base nessa data, a investigação busca rastrear o fluxo financeiro dos alvos para descobrir os financiadores.

Nos depoimentos já colhidos pela Polícia Federal, investigadores fizeram questionamentos sobre a relação dos alvos com ministros do governo e com parlamentares bolsonaristas. Investigados no inquérito por organizar os atos publicaram, por exemplo, fotos nas redes sociais com o ministro Heleno, indicando que se encontraram com ele em Brasília.

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Um dos principais investigados é o caminhoneiro Marcos Antônio Pereira Gomes, o Zé Trovão, atualmente foragido no México. Ele incentivou paralisações de caminhoneiros para o dia 7 de setembro com o objetivo de pressionar o Senado pela destituição dos ministros do STF.

No depoimento de Zé Trovão, prestado em 20 de agosto, antes da ordem de prisão, os investigadores o questionaram sobre encontros que os organizadores dos atos antidemocráticos tiveram com os ministros Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Gilson Machado (Turismo) em Brasília em agosto. Também perguntaram sobre as reuniões do grupo com os deputados federais Nelson Barbudo (PSL-MT) e Hélio Lopes (PSL-RJ), aliados de Bolsonaro. “Tais encontros foram casuais”, respondeu Zé Trovão.

Planalto não comenta

O grupo do caminhoneiro participou de reunião no Palácio do Planalto no dia 11 de agosto com a Secretária Especial de Articulação Social, Gabriele Araújo. Registrada na agenda oficial, o encontro tinha como pauta o tema “caminhoneiros autônomos”. Questionado pela PF, ele afirmou que não falou sobre o ato do 7 de setembro na reunião. Outro participante, o empresário Turíbio Torres, disse à PF que não se reuniu com os ministros. “O declarante não se reuniu com autoridades, mas, quando as via, pediu para tirar fotos com elas”.

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O inquérito ainda mira uma pessoa próxima da família Bolsonaro — Leonardo Rodrigues de Jesus, conhecido como Léo Índio, primo dos filhos do presidente. A PGR identificou que ele também fez convocações para atos antidemocráticos, inclusive divulgando dados para a arrecadação de recursos.A PF ainda vai tomar o depoimento dele.

Procurado, Léo Índio afirmou que não conhece “nenhuma das pessoas citadas na investigação”, disse que divulgou as manifestações “pelo apoio que presto ao presidente” e que não recebeu os valores doados para os atos. O Palácio do Planalto não comentou. Por meio de sua assessoria, o ministro Heleno sustentou que as imagens em que aparecem são apenas "fotos de corredor". "O general Heleno atende, gentilmente, solicitações de qualquer cidadão", como faz também em locais públicos.

Em nota, a PGR afirmou que Bolsonaro não figura entre os alvos das medidas cautelares solicitadas no inquérito e que o pronunciamento público do presidente foi usado na investigação para “delimitar a data como marco para a possível organização dos atos”.