Cultura

Em relato com fotos exclusivas, os bastidores da turnê de Gilberto Gil na Europa

Jornalista que acompanha o artista narra viagem com 19 shows em oito países e a companhia de Adriana Calcanhotto
Gilberto Gil na Europa, no hotel em Hamburgo, na Alemanha Foto: Acervo pessoal
Gilberto Gil na Europa, no hotel em Hamburgo, na Alemanha Foto: Acervo pessoal

No ano passado, por conta da pandemia, Gilberto Gil interrompeu uma tradição que vem desde 1978: fazer turnê na Europa. Agora, Gil está refazendo tudo. Cruzou o Atlântico e seguiu impávido que nem um Muhammad Ali para Dijon, na França, primeira cidade no continente a receber sua trupe. Foi com a família, a equipe fiel, a banda e uma companhia especial, Adriana Calchanhotto, que faz os shows de abertura.

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Fazem parte de sua banda um filho (Bem Gil, nas guitarras) e um neto (João Gil, no baixo). Eventualmente, Adriana participa também do show de Gil, assim como a netinha Flor Gil Demasi, de 13 anos. Sempre a seu lado, claro, a mulher, Flora Gil. Como não ver a flor do seu sorriso se abrir?

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A turnê “Gil in Concert” começou no dia 30 de setembro, com a apresentação na cidade francesa da região da Borgonha. Já passou por lugares na Alemanha e na Espanha, e termina no dia 7 de novembro, em Santarém, Portugal (confira todo o itinerário em quadro abaixo). Andando com fé ele vai, com repertório que tem músicas de diversas fases de sua carreira. No total, serão 19 shows, em oito países.

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É uma maratona, que inclui sobe e desce de palco, entra e sai de hotel, embarca e desembarca de ônibus. Um riacho, um caminho. A assessora Gilda Mattoso, jornalista que o acompanha na jornada, abre seu diário de bordo e revela com exclusividade ao GLOBO detalhes e bastidores da turnê. Gilda tem milhas (acompanha turnê com Gil desde 2004 e passou 15 anos viajando com Caetano Veloso) e bagagem musical de sobra (foi casada com Vinicius de Moraes, para se ter uma ideia). Seus relatos mostram que a fé não costuma faiá .

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E Gil, aos 79 anos, mantém o fôlego para lembrar à sua plateia (sempre lotada) na Europa que mistério sempre há de pintar por aí. Aqui, em Dijon ou em qualquer lugar.

Tour de Gilberto GIl equipe completa na chegada em Paris Foto: Acervo pessoal
Tour de Gilberto GIl equipe completa na chegada em Paris Foto: Acervo pessoal

Aquele abraço

“Nossa tour começou de maneira triste, porque tivemos uma baixa de um músico maravilhoso e pessoa amada por todos: José Gil, baterista e percussionista da família, teve uma ruptura do tendão de Aquiles. Foi operado de emergência e quase fez Gil cancelar a turnê toda. Foi preciso Flora convencê-lo de que isso faria José se sentir muito mal, vendo que acabou com a turnê de tanta gente. Segundo problema: achar um músico competente para o posto, que se afinasse com Gil e que tivesse as duas doses da vacina. Felizmente, Marcelo Costa, velho companheiro de estrada, preenchia todos os requisitos e pôde aceitar o convite de Gil.

Cá estamos nós em Dijon, após uma longuíssima viagem do Rio a Amsterdã, onde fizemos conexão para Paris e de lá de ônibus para Dijon, depois de quase cinco horas de estrada. Gil e Flora ficaram em Paris e vêm para cá dia 23, quando começam os ensaios e onde dia 30 acontece nosso primeiro show, na Ópera de Dijon.”

Gilberto Gil com Flora Gil na Avenue Montagne, em Paris Foto: Acervo Pessoal
Gilberto Gil com Flora Gil na Avenue Montagne, em Paris Foto: Acervo Pessoal

Divino maravilhoso

“Hoje, domingo, dia 26 (aniversário da querida Gal Costa), já tinha me informado na recepção do hotel sobre horários de missas. Em Saint Michael, tinha umas às 11h. Depois, fomos à Notre Dame, onde há uma corujinha esculpida e reza a lenda que, se você tocá-la com a mão esquerda, vai alcançar seu pedido. Já toquei duas vezes. O tempo está super ameno e quase não trouxe roupa fresca. Chego em bicas todo dia ao hotel — chamado Oceania, onde estamos supersatisfeitos. Mas amanhã teremos que mudar, porque o mais chique daqui — Grand Hôtel de la Cloche Dijon — já foi pago pela produção local. Só Gil e Flora vão ficar. Vai ser a primeira vez que o artista fica num 4 estrelas e a equipe num 5! A mudança é chata. Recolhe tudo do quarto, faz mala, chega ao outro, abre tudo, e só por dois dias.”

Gil com a turma da turnê Foto: acervo pessoal
Gil com a turma da turnê Foto: acervo pessoal

Pela Internet

“Pietro Scaramuzzo, jornalista italiano que escreveu um livro sobre a Tropicália, que tinha pedido convites para ( a cidade de ) Tourcoing, disse que poderá vir aqui, então vou separar dois convites para ele. O motorista da van que nos atende aqui também pediu dois, e assim vamos nós. Desde que ninguém peça para Paris nem para Lisboa, está tudo bem! Embora outros lugares comecem a esgotar também. À tarde, trabalhei um pouco na internet, respondi e-mails, atendi a pedidos de convites em diversas cidades e à noite saí com Flora e Gil. Fomos jantar no Aux Deux Bouchons, simpático, atrás do mercado Les Halles e comemos bem. Comi só foie gras e uma tábua de queijos. Flora comeu um bacalhau fresco no papel alumínio só no limão e temperos — zero sal — e Gil, um salmão do mesmo jeito. Depois, dividi um petit gâteau com Gil e... cama. Agora estou pronta para a mudança de hotel.”

Gil com Adriana Calcanhotto, que faz os shows de abertura na turnê Foto: Aceravo pessoal
Gil com Adriana Calcanhotto, que faz os shows de abertura na turnê Foto: Aceravo pessoal

Ser diferente é normal

“Dia 1º de outubro, saímos no nosso fantástico Tour Bus, alemão, com os dois motoristas Nadine (alemã) e Ricardo (italiano), por volta das 13h, e viajamos o dia inteiro, atravessando a França de Oeste a Leste. Chegamos à noite em Nantes, deixamos Flora, Gil, Maria e Flor no hotel Radisson, bem bonito, no centro histórico e fomos para o nosso Mercury, simples mas limpinho. Deixamos as malas e fomos procurar um lugar para comer.

Já passava das 22h, e o hotel nos informou que, atravessando a ponte, tinha um restaurante, Loco, cuja cozinha ficava aberta até as 23h. Rumamos para lá, mas o dono nos recebeu já avisando que não poderíamos comer àquela hora, blá-blá-blá. Saímos andando em direção ao Castelo e entramos numa rua tipo Dias Ferreira, cheia de bares e restaurantes. Como estávamos com Sereno, neto de Gil e filho de Bem, fomos a um italiano simples, mas com uma pizza deliciosa. Comemos e voltamos caminhando. A turma resolveu ir a um parque de diversões que avistamos ao longe, mas eu estava com sono e resolvi voltar para o hotel.”

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Eu só quero um xodó

“Já estamos instalados no Grand Hôtel La Cloche, que é pedante, carpetes altos, só para prender as rodas das malas. Trabalhei aqui um pouco, fiz pesquisas sobre Nantes, nossa próxima parada. Hoje à noite vamos, finalmente, jantar no Loiseau des Ducs, perto do palácio dos Ducs e da linda Place de la Libération. Hoje é dia dos arcanjos Miguel, Rafael e Gabriel. Que eles abençoem nossa tour.

Chegamos há pouco do Loiseau des Ducs e devo dizer que foi uma refeição de se comer de joelhos. O restaurante tem uma estrela Michelin e o chef, Bernard Loiseau, merece muito. Ele comanda outros restaurantes em Paris. É um craque. O restaurante, muito simples, estava lotado numa quarta-feira, 13 graus na rua. Vou dormir que amanhã temos nosso primeiro show!”

Gil faz barba antes do show em Nantes, na França Foto: Acervo Pessoal
Gil faz barba antes do show em Nantes, na França Foto: Acervo Pessoal

Toda menina baiana

“Já escrevo do dia 1º de outubro, e nossa estreia ontem não poderia ter sido melhor. A bela Ópera de Dijon estava repleta, e Adriana Calcanhotto ganhou a plateia logo no começo. Quando ela atacou de ‘Les feuilles mortes’, de Jacques Prévert, ficou tudo dominado! Gil entrou já pulando e dançando, muito bonito de cor-de-rosa. Flor Gil Demasi deu um toque especial tocando teclado e cantando com o avô.

Flor Demasi e o avô, Gilberto Gil: neta participa da turnê Foto: Acervo pessoal
Flor Demasi e o avô, Gilberto Gil: neta participa da turnê Foto: Acervo pessoal

Foi uma ovação. E, no final, adeus distanciamento, pois a plateia veio toda para a frente, dançando ao som de ‘Toda menina baiana’ e outros hits. Sempre gostamos de fazer shows na França. Além de o país ser lindo, Gil tem aqui seu melhor público fora do Brasil. E a parte da produção é sempre impecável, com ingressos esgotados, muitos jovens, e nossa banda e nossos artistas afiadíssimos.”

95732626_sc- Tour de Gilberto Gil Adriana na cama do nosso tour bus.jpg

Andar com fé

“Nantes é bem complicada, pois, além dos dois rios (Loire e Erdre), tem vários canais. Por sorte, encontrei Jerry e João Ribeiro e voltei com eles para o hotel. O dia seguinte é off. Reservei o La Cigale, brasserie mais famosa de Nantes para a família Gil. A cidade está toda em obras, é complicado se deslocar de carro, mas fui até o Memorial da Abolição dos Escravos. E estava fechado para obras! De lá, fui encontrar a família Gil na brasserie, com decoração sofisticada e comida excepcional. Eles já estavam terminando, então pedi apenas uma tábua de queijos. Depois voltei para o hotel, dormi, e no dia do show tomei café com a galera, saí para caminhar e às 13h30 saímos a pé para a Cité des Congres de Nantes, local do show, já com os ingressos esgotados.”

Gil na turnê pela Europa Foto: Acervo pessoal
Gil na turnê pela Europa Foto: Acervo pessoal

Cada tempo em seu lugar

“Passamos o som, o auditório muito bonito, e do camarim avistávamos o rio, os barcos e nosso hotel do outro lado. Adriana, aniversariante do dia, foi recebida por um coro de parabéns dos brasileiros da plateia. Depois, foi a vez de Gil e banda cantarem parabéns para ela. Após o show, fomos ao La Cigale, onde tínhamos reservado mesa para 21h30 (o show foi às 18h). Jantamos e saímos de lá para hotel, banho, fechar mala. Uma e meia da madrugada, pegamos nosso ônibus rumo a Hamburgo (17 horas de estrada), de onde escrevo este diário. Hoje cedo me lembrei que era dia de São Francisco de Assis e rezei para ele seguir nos acompanhando.”

Expresso 222

30/9 - Dijon (França)

3/10 - Nantes (França)

5/10 - Hamburgo (Alemanha)

8/10 - Colônia (Alemanha)

10/10 - Luxemburgo

12/10 - Girona (Espanha)

14/10 - Nancy (França)