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'Não significa que eu estou defendendo o que eles fizeram. Só que a carapuça caiu', diz Gloria Groove, que teve música 'A queda' citada por cancelados

Canção sobre cancelamento lançada pela drag queen teve mais de 4 milhões de visualizações e foi postada por Nego do Borel, entre outros
A cantora Gloria Groove no clipe de "A queda" Foto: Divulgação
A cantora Gloria Groove no clipe de "A queda" Foto: Divulgação

“Hoje tem open bar / pra ver minha desgraça!”. Com os versos duros como esses em uma música sobre cancelamento, e a bordo de um videoclipe com pegada de filme de terror, a cantora Gloria Groove – veículo artístico do paulistano Daniel Garcia, de 26 anos – tornou-se a maior sensação do pop brasileiro deste fim de semana. “A queda” rendeu a essa personalidade LGBTQIA+, que já tinha 2,5 milhões de seguidores no Instagram, os números mais superlativos de sua carreira: um primeiro lugar entre os vídeos em alta no YouTube (com mais de 4 milhões de views) e 2 milhões de plays no Spotify (atingindo a 38ª posição do Top 50 da plataforma de streaming).

— Não vou mentir para você, foi o final de semana mais maluco da minha vida! Eu tô meio anestesiada ainda com essa repercussão — festejou Gloria, em entrevista por telefone. — “A queda” é um projeto que tem muita mensagem, e eu já entrei sem muita pretensão. O molde de sucesso é muito pré-definido por alguns fatores, dá uma sensação muito boa ver que a mensagem chegou.

Para quem, como ela, vê “como o ódio tira vidas diariamente”, falar sobre o cancelamento , um tema tabu da cultura digital moderna , era algo inevitável.

— O que me deixa mais orgulhosa com “A queda” é que tudo se completa. As estéticas musical e visual do clipe combinam muito com a mensagem, que é muito forte, verdadeira e atual — acredita.

A força do tema se refletiu em muitas mensagens de congratulação para a cantora nas redes sociais, vindas até mesmo de artistas como Nego do Borel, que passa por um processo de cancelamento por causa de, entre outros incidentes , uma acusação de estupro que o levou à expulsão do reality show “A fazenda” .

— O meu propósito é abordar o cancelamento nos dias de hoje, independentemente da razão por que ele acontece. A gente não precisa condenar ninguém, mas tem que conscientizar as pessoas sobre como o cancelamento pode levar vidas — explica. — E se artistas se manifestaram por terem se identificado com a letra, isso não significa que eu estou defendendo o que eles fizeram, só que a carapuça serviu (risos).

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Entre as várias referências visuais do clipe, dirigido por Felipe Sassi, está o cantor Marilyn Manson – outro que passa por cancelamento, acusado de abuso sexual por diferentes mulheres . Mas Gloria diz não acompanhar a carreira de Manson e nem mesmo ter sugerido essa menção.

— Existem ali diversas outras referências que conversam com esse universo, como o Coringa, o Chapeleiro Louco, o Jigsaw do “Jogos mortais”... — ilustra ela que, apesar de ter tido experiências de cancelamento “por coisas que decidiram desenterrar do meu passado”, não escreve sobre elas. — A letra acaba sendo muito mais sobre a minha visão como público. Graças a Deus nunca passei por uma situação de ódio que tenha me deixado um trauma profundo, que me impedisse de recobrar a autoconfiança. Não fiz “A queda” porque ache que sou a mais odiada, a mais cancelada. Longe disso! Eu tenho muitos fãs maravilhosos, que me dão muito mais o amor do que ódio.

'Ela é o momeeeentoo!'

A cantora Gloria Groove Foto: Divulgação
A cantora Gloria Groove Foto: Divulgação

Ver-se volta e meia nos trending topics é algo que, para Gloria, traz sentimentos conflitantes.

— É uma sensação mista de “uau, olha essa gata, ela é o momeeeentoo!” e de susto, é uma experiência meio “Black mirror”. Daí o meu amor pela Lady Gaga que sempre falou sobre o monstro da fama, sobre como o sucesso é avassalador de todas as maneiras. Eu sinto muito isso, e foi uma catarse saber que “A queda” foi a minha maior estreia — considera. — Dá um frio na barriga sentir esses conceitos tão invisíveis se aproximando de mim – o sucesso, a notoriedade, as possibilidades... mas também eu me preparei para isso desde os seis anos de idade. Eu já era um artista, e depois da Gloria eu vou continuar sendo artista.

“A queda” é o segundo single de “Lady Leste”, o segundo álbum de Gloria Groove, ainda sem data de lançamento. Aquele que, planeja, vai fazê-la “fincar o pé na cultura”:

— Venho numa sequência de muitos EPs legais, muitos singles bacanas e um primeiro álbum que marcou por trazer uma identidade... mas faltou esse disco. “Lady Leste” vai ser isso porque dentro dele eu consegui passear por um pouco de tudo que as pessoas já me viram fazendo... e mais um pouco. É um álbum que passa por diversos estilos – e eu visto estilos musicais como visto roupas!

Show dos famosos

Enquanto o álbum não vem, ela curte a participação no “Show dos famosos”, quadro do “Domingão do Huck”, no qual se fantasia para encarnar astros nacionais e internacionais da canção.

— Tenho certeza de que eu vou morrer de saudade hora em que acabar, estou revivendo meus dias de teatro musical, aprendendo coisas novas, tendo que explorar outros lados da minha personalidade e revisitar minha veia de atuação — conta. — Imagina, amor: eu chego lá e tem aquela estrutura de VMA que eles dão na mão da gay para fazer as coisas! Eu me sinto muito realizada. Fico pensando quando é que o Brasil vai ter premiações com performances nesse nível do “Show dos famosos”. Isso é mega entretenimento.

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E Gloria morre de saudade dos shows. Seu primeiro desde que começou a pandemia, a volta aos palcos, será 29 de dezembro no pré-réveillon no Jóquei Club do Rio, com Ludmilla. E em 8 de setembro do ano que vem, ela sobe ao palco Sunset do Rock in Rio, na noite Divino Feminino , ao lado das cantoras inglesas Joss Stone e Corinne Bailey Rae e a brasileira Duda Beat.

— Eu acho que o Rock in Rio vai ser a confirmação de vários sonhos. Foi muito interessante chegar a um ponto de convergência entre todas que vão estar no palco nesse dia. Eu sou uma drag queen, não me identifico como uma mulher, na verdade eu me encaixo mais no aspecto fluido desse panorama — diz. — Pensei num ponto que nos unisse e foi aí que eu falei sobre o divino feminino, isso sim faz sentido para mulheres cis, mulheres trans, para drag queens e para pessoas não binárias. As mulheres é que me deram a possibilidade de ser a pessoa que eu sou hoje. E o meu trabalho é o meu jeito de honrar esses valores.