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Às vésperas de lançar ‘Marighella’ no Brasil, Wagner Moura afirma que não ganhou ‘um tostão’ com o longa: 'artista não é ladrão'

O ator e diretor está morando com a família em Los Angeles desde 2018. 'Quando veio a pandemia, pensei: O que estou fazendo aqui trancado neste país que não é meu?’
EL exclusivo Wagner Moura Foto: Sandra Delgado
EL exclusivo Wagner Moura Foto: Sandra Delgado

Pela tela do computador, com a câmera fechada em seu rosto, Wagner Moura revela pouco da sua casa em Los Angeles, na Califórnia. O escritório, a cozinha e a sala — ambientes em que ele circula em busca de um melhor sinal de internet, com o computador em mãos — parecem simples como ele. Camiseta branca para a sessão de fotos, fita vermelha do Senhor do Bonfim bem amarrada no pulso esquerdo e sorriso contido. O ator de 45 anos está indignado com a política nacional. “A condução da pandemia pelo governo federal foi uma tragédia, sobretudo porque a grande maioria das 600 mil mortes poderia ter sido evitada. O presidente Jair Bolsonaro precisa responder por isso. Ele tem que ser preso”, afirma.

Em uma hora e 15 minutos de conversa por videochamada, o ator deixa claro que a temporada nos Estados Unidos, onde vive desde 2018, é passageira. “Meus próximos dois grandes projetos são no Brasil: um filme com Kleber Mendonça e outro com Karim Aïnouz”, enumera. Ele, a mulher, a fotógrafa Sandra Delgado — que assina os retratos desta entrevista —, e os três filhos, Bem, Salvador e José, de 15, 11 e 9 anos, mudaram-se para Los Angeles quando Wagner foi fazer “Sergio”, produzido e estrelado por ele, sobre a vida do diplomata brasileiro Sergio Vieira de Mello (1948-2003). Acabaram ficando mais tempo por lá, por causa da pandemia. “Eu pensava: ‘O que estou fazendo aqui trancado neste país que não é meu?’ O verão de 2021 foi o primeiro da minha vida que não passei em Salvador. Foi foda”, desabafa.

Wagner Moura Foto: Sandra Delgado
Wagner Moura Foto: Sandra Delgado

Na última quarta-feira, Wagner retornou ao Brasil para lançar “Marighella”, seu primeiro filme como diretor. São duas horas e 40 minutos de ação e tensão, com cenas rodadas em São Paulo e na Bahia, que narram os últimos anos de vida do poeta baiano Carlos Marighella (1911-1969), guerrilheiro comunista interpretado por Seu Jorge. “Não é um filme para se ver com o laptop em cima da barriga, é cinemão. Acontece muita coisa, necessita de doses de foco”, avisa o diretor. Amanhã tem pré-estreia em Salvador, terça, no Rio, e depois em São Paulo, Fortaleza e acampamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.

Rodado em 2017, o longa, que tem ainda Adriana Esteves, Bruno Gagliasso e Herson Capri no elenco, teve a primeira exibição no Festival de Berlim, em fevereiro de 2019. No Brasil, deveria ter sido lançado nove meses depois. No entanto, com a demora na liberação de verba pela Agência Nacional do Cinema (Ancine) e a crise sanitária, atrasou em dois anos. “É inacreditável que o filme só vá estrear agora. Em Berlim, foi aplaudido de pé por dez minutos; Seu Jorge já ganhou prêmios na Itália e na Índia. Mas é um filme feito para o Brasil. A primeira estreia foi cancelada pela Censura. Os pedidos que a O2 ( produtora ) fez à Ancine eram absolutamente normais, negados assustosamente numa época em que Bolsonaro atacava o cinema nacional”, vocifera. No dia 4 de novembro, enfim, o longa chegará aos cinemas de todo o país.

A seguir, os melhores trechos da entrevista.

Qual a importância de popularizar a história de Carlos Marighella?

Desde novinho sou fascinado por histórias de resistência: Inconfidência Mineira, Revolta dos Alfaiates, Guerra de Canudos e toda essa galera que resistiu ao poder tirano. São histórias mal contadas ou até mesmo apagadas, como a de Marighella ( reconstituída no livro de Mário Magalhães, de 2012, base para o longa ). O filme é uma representação não só daqueles que lutaram pela democracia nos anos 1960 e 1970, mas dos que lutam hoje, o povo preto, os indígenas, a população LGBT e os favelados que seguem sendo chamados de terroristas. Em momentos de distopia, os movimentos se fortalecem. É instinto de sobrevivência. Como agora, em que está no poder um psicopata, sujeito sem condições morais de ser síndico de condomínio, o que dirá de dirigir um país.

Como acha que será a recepção do público?

Se tivesse sido lançado em 2019, seria um filme. Em 2020, outro. Hoje, espero que “Marighella” enfrente menos oposição. Pois agora está claro para todo mundo que este governo é uma tragédia. Para todo mundo, não... Tem aqueles 25% que foram ao 7 de Setembro ( apoiar o presidente ), mas a maioria já entendeu que não é uma questão de direita ou esquerda, é uma questão de civilização contra a barbárie. Por isso acho que agora a reação será menos violenta com o elenco... Artista não é ladrão. A acusação de “mamar na Lei Rouanet” me dá tanto ódio. Em “Marighella”, não usei um real da Lei Rouanet. Da Lei do Audiovisual também não, porque nenhuma empresa quis botar dinheiro. É uma produção feita com o fundo setorial e dinheiro da Globo Filmes ( coprodutora ). Não recebi um tostão por esse trabalho. Pelo contrário. Só gastei. E isso também não é problema, porque é um filme que eu amo.

Wagner dirige Seu Jorge Foto: Divulgação
Wagner dirige Seu Jorge Foto: Divulgação

A produção recebeu ameaças de invasão de grupos da extrema direita no set. Sentiu medo?

Em São Paulo, uma turma disse que ia dia tal para quebrar tudo. Mas esses caras são covardes, né? Quem esteve lá foi a turma da juventude antifascista, dizendo que tinha lido sobre as ameaças no Facebook e resolveu proteger o filme. Achei bonito pra caramba. Foi tenso também. Eu estava no comando e não queria que nada de ruim acontecesse. Pedi para ninguém responder a provocações, mas também não baixarem a cabeça. Sempre estive pronto para esse tipo de confronto. Não tenho medo dessa gente.

Como classifica a condução da pandemia pelo governo federal?

Foi uma tragédia, sobretudo porque a grande maioria das 600 mil mortes no Brasil poderia ter sido evitada, como a do Paulo Gustavo. A gente não era tão amigo, mas era um cara com quem eu falava. Quando ele teve os filhos, a gente se falou, trocou ideias sobre a paternidade... Isso é muito doloroso. E o presidente segue andando por aí sem máscara, sem dar exemplo. O Bolsonaro precisa responder por essas mortes. Ele tem que ser preso.

Há quem ache que você e seu Capitão Nascimento, personagem de “Tropa de Elite” (2007), tenham contribuÍdo para a glorificação do abuso de poder da polícia. O que acha disso?

Uma obra é a conjunção do que o seu realizador idealizou dentro do contexto de uma determinada época. Muitas vezes, é reavaliada anos depois, para o bem ou para o mal. Não tenho problema em ver o filme ser repensado, mas continuo tendo a mesma opinião: “Tropa” contribuiu para o debate em torno das relações entre polícia e governo. A polícia brasileira é historicamente manobrada para ser um braço armado de um governo. Aqui, a polícia não existe para proteger o cidadão, existe para proteger o estado.

Como Capitão Nascimento em "Tropa de elite" (2007) Foto: Divulgação
Como Capitão Nascimento em "Tropa de elite" (2007) Foto: Divulgação

“Tropa” marcou o início de sua parceria com o diretor José Padilha. Mas soube que vocês romperam por divergências políticas. Ainda estão brigados?

Nós nunca brigamos, nós nos afastamos. Trocamos mensagens duras, sobretudo em relação ao ( juiz Sergio ) Moro na época do impeachment da presidente Dilma Rousseff. Sempre vi o Moro como uma figura desprovida de qualidades. Acho que hoje está provado que ele foi parcial no julgamento do Lula. A perseguição ao PT era óbvia. Embora eu, antes de 2013, tenha sido um dos que mais bateram no PT por causa dos casos de corrupção. Depois, “virei petista”, coisa que nunca fui. Mas tudo bem. O ponto é manter o meu juízo. Não deixei a polarização política que tomou conta do país atrapalhar a minha amizade com o Padilha. Simplesmente, paramos de trocar mensagens em determinado momento.

Pediu opinião do Padilha sobre “Marighella”? Ele já assistiu?

Não, ele nunca viu... Mas o Zé é antibolsonarista.

É o filme de sua estreia como diretor. Como foi a experiência?

Extraordinária. No set, sou mais um ator que dirige do que um diretor. Tento imprimir muita energia, deixar todos motivados, tirando-os do lugar de conforto, com tesão. De certa maneira, acredito que foi fácil fazer esse trabalho porque os atores queriam contar essa história. A cena que aparece no pós-crédito, com vários cantando emocionadamente o Hino Nacional, era na verdade uma preparação, um esquenta. Mas, quando vi aquilo, pedi para filmar. Muitos, como a Bella Camero e o Humberto Carrão, guerrilheiros no filme, usam os próprios nomes em cena. Achei que estavam tão envolvidos que tinham que assinar os seus depoimentos.

Qual é a cena mais marcante para você?

A cena mais marcante, talvez a mais importante, que define o filme, é aquele plano-sequência de abertura, no trem. A cena mostra bem a forma como filmamos, sempre em sequência, com energia fluindo, parando o mínimo possível para posicionar a câmera. Foi uma cena realmente difícil e incrível de fazer, tivemos que dar marcha a ré no trem, de noite. Toda a equipe da arte e da elétrica foi envolvida. Essa cena não deveria estar abrindo o filme, aconteceria depois, mas na montagem resolvi puxá-la para o começo.

Você não tem redes sociais. Mas não sente falta de usar esses canais de comunicação num momento em que os artistas precisam se posicionar politicamente?

Não tenho mesmo, mas sempre aparecem uns caras dizendo que sou eu. Fico doido com isso. Mas nunca tive, não tenho e não vou ter. Confesso que, recentemente, cheguei a pensar em ter. Aí reuni uns amigos e cada um me deu uma opinião. Um disse que eu tinha que entrar no Twitter, que era da política. Outro falou que eu precisava era de uma conta no Instagram... Comecei a achar aquilo tudo tão chato... Queria ter um canal para me comunicar sem intermediários, mas, por outro lado, não tenho vocação para isso. E se tem uma coisa que as pessoas não podem me acusar é de isenção. Entendo que o momento é grave, e pessoalmente sinto desprezo por quem é isentão ou fica em cima do muro. Mas não acho legal a patrulha. O barulho é grande mesmo. Se não está preparado para tomar pau, melhor ficar quieto mesmo.

Mesmo sem rede social, na semana passada você quebrou a internet. Sabia?

Não... ( arregala os olhos e faz cara de espanto ). Jura?

Cena de Bebel e Olavo em "Paraíso tropical" (2007) Foto: Willian Andrade / TV GLOBO
Cena de Bebel e Olavo em "Paraíso tropical" (2007) Foto: Willian Andrade / TV GLOBO

Sim, com o Olavo, seu personagem em “Paraíso Tropical” (2007), chamando a Bebel, vivida por Camila Pitanga, de cachorra na reprise da novela que está rolando no Viva. O Twitter foi à loucura, com declarações de fãs do tipo “se um dia eu encontro o wagner moura eu não peço autógrafo, peço para ele me chamar de cachorra!”.

Ah... ( fica com as bochechas coradas, e pela primeira vez na entrevista abre um sorrisão do outro lado do vídeo ). Eu queria ver essas coisas... Que ótimo. Aquela novela era boa demais. Eu adorava fazer aquelas cenas com a Camila.

Na tal cena, você a chama de cachorra com propriedade. Na vida real, já chamou alguém assim?

Não, nunca chamei ninguém de cachorra ( risos ).

Você é pai de três meninos. A educação deles privilegia as pautas de igualdade de gênero? O que faz igual e o que faz diferente da sua educação?

Os conceitos de masculinidade de hoje me parecem mais interessantes dos que eu recebi quando era criança. Tive uma educação mais dura, não podia mostrar sensibilidade... Por outro lado, apesar do machismo, há conceitos que aprendi no Nordeste que valem a pena transmitir, principalmente no que diz respeito à honestidade, à palavra de homem. De resto, o sertão nos anos 1980 era muito opressor. Cresci aprendendo a ser um cabra-macho. Embora nunca tenha sido o tipo machão, sigo em desconstrução.

Wagner Moura Foto: Sandra Delgado
Wagner Moura Foto: Sandra Delgado

Os seus filhos viram os seus filmes?

Acho que eles não viram quase nada do que fiz... Aliás, eles viram “O homem do futuro” ( misto de ficção científica e comédia romântica, de 2011 ). E gostaram.

E “Marighella”?

Bem, o mais velho, viu. Ele foi para Berlim com a gente. Nas cenas de tortura, a San tapava o olhinho dele.

Desde quando vocês estão morando em Los Angeles?

Eu vim para cá porque estava produzindo um filme sobre o Sergio Vieira de Mello, em 2018, e trouxe a família toda porque gosto de tê-la o mais perto possível. O ator latino é sub representado nos Estados Unidos. Então, politicamente, me coloco na posição de não reforçar estereótipos. E achei que seria uma experiência boa botar os meninos para se virarem em Los Angeles, assim como foi muito interessante o tempo que vivemos em Bogotá, quando eu estava gravando a série “Narcos”. A ideia era passar uns dois anos em Los Angeles e, diante da pandemia, fomos ficando. E, agora, não sei se estou perdendo grandes coisas no Brasil.

Planejam voltar a morar no Brasil?

Eu nunca deixei o meu país. A minha conexão com o Brasil é, talvez, uma das coisas mais importantes que eu tenha. A Bahia está dentro de mim. E sempre vai estar. Sou um artista brasileiro, tudo o que eu faço vem do que aprendi na Bahia, fazendo teatro com o Lázaro ( Ramo s) e o Wlad ( Britcha ), com o Bando de Teatro de Olodum, ouvindo música baiana, vendo “A comédia da vida privada”, de Jorge ( Furtado ) e Guel ( Arraes ), e ouvindo tudo o que o Caetano fala. Tenho o projeto do filme com o Kleber Mendonça, que é para começar a filmar no segundo semestre do ano que vem, em Recife. Talvez, então, depois das eleições de 2022, a gente volte para um Brasil mais bonito, um Brasil mais decente.