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Facebook apagou post de Bolsonaro por 'alegação falsa' de cura para coronavírus

Especialistas afirmam que redes sociais precisam de mais transparência ao remover conteúdos

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São Paulo

A afirmação do presidente Jair Bolsonaro de que o medicamento hidroxicloroquina está "dando certo em todo lugar" no tratamento contra a Covid-19, sem nenhuma comprovação, foi o principal motivo para o Facebook e o Instagram apagarem nesta segunda-feira (30) um vídeo que ele havia postado no domingo (29).

A fala do presidente, feita durante passeio em diferentes pontos de Brasília, vai de encontro às regras das redes sociais em relação à pandemia, que preveem a remoção de publicações "que fazem alegações falsas sobre curas, tratamentos, disponibilidade de serviços essenciais ou sobre a localização e gravidade do surto".

A hidroxicloroquina está em fase de testes e não há comprovação de sua eficácia contra o novo coronavírus.

A publicação do presidente já havia sido removida pelo Twitter e, segundo a Folha apurou, foi considerada no Facebook como a mais taxativa a respeito de uma suposta eficácia do remédio, se comparada com outras menções que o próprio presidente já fez em relação ao medicamento. O Instagram pertence ao Facebook.

Bolsonaro já havia mencionado o remédio em transmissões ao vivo, por exemplo, cujos vídeos foram mantidos na rede social.

No conteúdo que foi removido, o presidente conversa com trabalhadores informais em Taguatinga, escuta críticas à quarentena, e diz: "Aquele remédio lá, hidroxicloroquina, está dando certo em tudo quanto é lugar, certo? Um estudo francês chegou para mim agora".

Essa foi a primeira vez que uma postagem de Bolsonaro foi excluída da rede social.

Bolsonaro, atualmente, tem 12,2 milhões de seguidores no Facebook. Em comparação, o primeiro-ministro britânico Boris Johnson tem 1,3 milhão, o presidente francês Emmanuel Macron tem 2,9 milhões e o presidente mexicano López Obrador, 7,3 milhões.

O brasileiro perde para o presidente americano Donald Trump (28,5 milhões) e o primeiro-ministro indiano Narendra Modi (45 milhões), por exemplo.

Ano passado, o Facebook anunciou que teria maior tolerância para filtrar conteúdos publicados por políticos, embora não tenha descartado de enquadrá-los em suas regras de uso —como agora aplicado na postagem em que Bolsonaro fala da hidroxicloroquina.

Em março desse ano, Twitter, Facebook, Google e outras companhias assinaram uma declaração conjunta em que se comprometiam a combater fraudes e desinformações sobre o vírus. Cada uma, porém, tem usado seus critérios para a moderação de conteúdo.

O Twitter foi o primeiro a remover conteúdos de Bolsonaro —e não apenas uma, mas duas postagens feitas no dia do passeio de domingo em Brasília.

Antes, o Twitter havia removido uma publicação do ditador venezuelano Nicolás Maduro, que indicava uma receita caseira de uma bebida que poderia ser útil para curar a doença.

O maior controle que as redes têm exercido sobre os seus conteúdos fortaleceu o debate, entre especialistas em direito e tecnologia, sobre a necessidade de maior transparência nos critérios de moderação do conteúdo publicado nas plataformas.

Para os pesquisadores, essa maior rigidez em relação à aplicação das regras deveria ser acompanhada de um compromisso de clareza e explicações sobre o motivo das filtragens dessas publicações.

O diretor da ITS Rio (Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio) Carlos Affonso diz que paira uma desconfiança generalizada sobre essas plataformas e talvez a pandemia “seja uma segunda chance” para que o debate sobre a transparência das decisões tomadas pelas redes sociais avance.

Ele diz que o problema de as plataformas não terem um "histórico coerente e transparente" sobre os critérios de remoção de conteúdo cria dúvidas sobre o que o usuário pode ou não postar.

“Quanto mais elas [as redes sociais] aplicarem seus termos de uso, mais previsível esses critérios ficam”, diz. Affonso entende que a remoção de conteúdo vai deixar claro para o presidente e para autoridades que as redes sociais, ao contrário do que parecem, não são um ambiente sem mediação.

Para Mariana Valente, diretora do Internet Lab (centro de pesquisa em direito e tecnologia), a pandemia irá fortalecer a pressão a favor da transparência sobre os critérios específicos do Facebook e do Twitter para remover conteúdo.

Ela entende que há uma obrigação ética dessas plataformas em expor esses critérios. “A moderação veio para o debate público e as demandas por transparência vão aumentar”, afirma.

Durante o período de crise, no entanto, diz que é previsível que as redes sociais mantenham um controle mais proativo sobre as postagens em suas plataformas.

"Não me parece que nesse caso [da pandemia] as plataformas tenham uma preocupação em relação à censura. Vai ter censura? Vai. Vai ter post [com alcance] reduzido? Vai. Mas é um momento que isso se justificaria", diz Mariana.

“Mas até quando vão durar esses critérios? Eles vão continuar sendo aplicados? As plataformas vão informar quando for diferente?”, questiona.

Consultados pela reportagem, advogados que trabalham com crimes digitais não viram censura na atitude do Twitter, Facebook e Instagram em apagar os posts de Bolsonaro.

Professor de direito digital no MBA da FGV (Faculdade Getulio Vargas), o advogado Luiz Augusto D’Urso afirma que as redes tendem “mais a pecar pela liberdade de expressão do que censurar”.

No entanto, nesse caso havia regras claras e uma declaração conjunta das empresas sobre a proibição de conteúdo que ferisse informações divulgadas pela OMS (Organização Mundial da Saúde). “Censura seria escolher o que ela (a rede social) deseja que fique no ar concordando ou não com aquilo”, diz D’Urso.

Procurado, o Twitter informa que, nos últimos anos, “tem tomado medidas para prover mais contexto às medidas tomadas sobre Tweets e contas, bem como para incluir as pessoas na discussão sobre novas regras e tornar suas políticas mais fáceis e simples de compreender”.

Cita como exemplos inclusão de avisos em tuítes e contas (removidos ou com conteúdo sensível, por exemplo), publicação de um relatório semestral de transparência e expansão e fortalecimento de um conselho de confiança e segurança —formado por grupos focados em “diferentes questões importantes que contribuem para danos offline”.

Em comunicado na internet, o Facebook diz que tem removido informações incorretas relacionadas à Covid-19 que podem contribuir para danos físicos iminentes. Afirma que tem feito isso desde 2018, durante outras epidemias.

Para alegações “que não resultam diretamente em danos às pessoas no mundo real, como teorias da conspiração sobre a origem do vírus”, é feita checagem dos fatos e marcações nos posts ou redução da distribuição —ou seja, o conteúdo aparece menos nas linhas do tempo dos usuários.

Questionado pela reportagem se Bolsonaro foi o primeiro chefe de estado a ter uma publicação apagada, o Facebook não se manifestou.

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