Exclusivo para Assinantes
Política Congresso

Redutos de líderes do Centrão e aliados do governo lideram lista de emendas de relator empenhadas

Cidade em Alagoas, estado do presidente da Câmara, Arthur Lira, é a segunda com maior destinação. Repasses são repartidos sem critério claro e sem transparência
Ao lado do senador Fernando Collor e do ministro Rogério Marinho, Lira participou na última semana da entrega de obras de irrigação no interior de Alagoas Foto: Reprodução/Redes sociais
Ao lado do senador Fernando Collor e do ministro Rogério Marinho, Lira participou na última semana da entrega de obras de irrigação no interior de Alagoas Foto: Reprodução/Redes sociais

BRASÍLIA - Alvo de investigações no Tribunal de Contas da União (TCU), de críticas de especialistas em transparência nas contas públicas e com a execução suspensa temporariamente pela ministra do STF Rosa Weber, as “emendas de relator” têm beneficiado mais neste ano cidades que são redutos eleitorais de lideranças políticas do Centrão e aliados do governo. Ao contrário das emendas individuais, fatia do Orçamento que é dividida igualmente entre todos os parlamentares — em 2021, cada um, da base ou da oposição, teve direito a indicar o destino de R$ 16 milhões a serem gastos pelo Executivo —, as emendas de relator são repartidas sem um critério claro e sem transparência na sua execução. Assim, têm sido usadas pelo governo e pela cúpula do Congresso para construir a base aliada e privilegiar parlamentares que votam com o Planalto.

Regras rígidas : Mercado dos disparos em massa resiste ao cerco do TSE e do Congresso e segue ofertado a preços acessíveis

Na Câmara, o presidente Arthur Lira (PP-AL) controla, junto com os ministérios da Secretaria de Governo e da Casa Civil e os líderes partidários mais próximos, as planilhas que marcam a distribuição das emendas de relator. Segundo levantamento obtido pelo GLOBO, com números consolidados até o último dia 22, a cidade de Arapiraca, no Oeste de Alagoas, reduto de Lira, foi a segunda que mais teve valores de emendas empenhadas até aqui: R$ 64 milhões. O total é quatro vezes maior que o das emendas individuais reservado a cada congressista.

Caciques do PP e do PL, os dois maiores partidos do Centrão e que formam o principal pilar da base de Bolsonaro no Congresso, têm suas bases entre as cidades que lideram o ranking. A lista é encabeçada por São Gonçalo, no Rio, destino de R$ 75 milhões em emendas, parte indicada pele deputado Altineu Côrtes (PL-RJ), presidente estadual da sigla e próximo de Lira do presidente do PL, Valdemar Costa Neto.

A distribuição entre as cidades é feita de forma desigual. Há 1.338 municípios que não receberam nenhum recurso, o que corresponde a 24% do total. A média é de cerca de R$ 1 milhão empenhados por cidade até agora. Há apenas 48 prefeituras que receberam mais de R$ 10 milhões. Em geral, os parlamentares que destinam a verba costumam capitalizar o ato com publicações nas redes sociais para mostrar ao eleitorado que a benfeitoria teve seu dedo.

Em Arapiraca, o prefeito Luciano Barbosa (MDB) é aliado de Lira. Ex-vice-governador, irritou o senador Renan Calheiros (MDB-AL) quando se afastou para virar prefeito, por atrapalhar os planos de sucessão de Renan Filho, atual governador. Mas as rusgas foram superadas e, hoje, a cidade recebe verbas do governo estadual e federal, com influência de Calheiros e Lira.

Em agosto, através da Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) — controlada por Lira no estado — passaram a valer dois convênios com Arapiraca, de valor total de R$ 23 milhões, com o objetivo de “recuperar avenidas ao longo da via férrea” e “implantar e recuperar vias de proteção ao riacho Piauí”.

Influência nas cidades

No site da prefeitura de Arapiraca, em agosto, uma reportagem registrou: “Luciano e Arthur Lira garantem pavimentação de 5,9 km e assinam convênios no valor de R$ 29,1 milhões”. Procurado para comentar os repasses para a cidade, Arthur Lira não respondeu.

Na líder do ranking, o prefeito de São Gonçalo, Capitão Nelson (Avante), é próximo de Altineu Côrtes. O deputado argumenta que se trata da cidade com um dos menores PIB per capita do estado, que passa um “sufoco violentíssimo” na área de saúde. Segundo a prefeitura, a verba foi liberada para a rede pública de saúde e o empenho ocorreu após o prefeito pedir ajuda para a bancada de deputados do Rio de Janeiro.

— São Gonçalo é a cidade mais populosa e pobre do estado, e o prefeito e os secretários fizeram uma peregrinação por Brasília. Claro que pedi (ajuda), e peço sempre. Lá é um sufoco violentíssimo. Acredito que tenha sido atendido no sentido de um monte de pedidos, inclusive o meu — disse ao GLOBO.

Leia também: Veja quais foram as armas usadas por Lira para viabilizar a votação da PEC

A cidade de Itaboraí (RJ), que também contou com um pedido de ajuda de Cortês, é a sexta que mais recebeu “emendas de relator”, com a liberação de R$ 30 milhões à prefeitura até o momento. O prefeito, Marcelo Delaroli, é do PL. José Delaroli, pai de Marcelo, está empregado no gabinete de Côrtes na Câmara desde fevereiro deste ano.

— Itaboraí fui eu que pedi, mas não foi só eu. Marcelo tem relação com o senador Romário, com o senador (Carlos) Portinho, que são do partido. Quando sai emenda que não é do gabinete, você nunca sabe de quem são, exceto se for de um cara que tem força maior.

A cidade de São Félix do Xingu (PA) recebeu empenho de R$ 48,9 milhões. Segundo o prefeito, João Cleber, será usado para infraestrutura. Ele diz que pediu ajuda para os recursos diretamente no Ministério do Desenvolvimento Regional e nega ter contado com a ajuda de algum parlamentar. Cleber é do MDB, sigla do governador Helder Barbalho.

Jaboatão dos Guararapes (PE), administrada por Anderson Ferreira, do PL, irmão do deputado federal André Ferreira (PSC-PE), ficou em quarto lugar, com R$ 35 milhões. Embora o deputado seja do PSC, o prefeito é próximo do líder do governo na Câmara, Wellington Roberto, e pretende se lançar a governador de Pernambuco pelo partido em 2022.

Em quinto lugar nos empenhos está Nova Russas (CE), base eleitoral de Junior Mano (PL-CE), deputado próximo ao líder do PL na Câmara Wellington Roberto (PB). A prefeita é sua mulher, Giordanna Mano, também do PL. A cidade teve liberação de R$ 34 milhões.

Leia também : Rosa Weber, do STF, dá 24 horas para Câmara explicar manobras na aprovação da PEC dos Precatórios

Em 31 de agosto, entraram em vigor sete convênios do Ministério do Desenvolvimento Regional com Nova Russas, ao valor total de R$ 29 milhões. Incluem pavimentação, reforma de praças, do mercado e do galpão de frutas, e construção de uma ponte.

— Vai trazer grande desenvolvimento para o município — disse Junior Mano, que não quis comentar sobre como ajudou na indicação.

Na rubrica de emendas de relator, o relator do Orçamento — neste ano, o senador Márcio Bittar (MDB-AC) — repassa informalmente as indicações de verbas de líderes partidários junto à União, que depois autoriza os repasses dos ministérios demandados. São cerca de R$ 10 bilhões para deputados e R$ 6 bilhões para senadores indicarem o destino, segundo acordo feito entre líderes no início do ano.

O Ministério da Saúde lidera os repasses nesse ano, com R$ 3,7 bilhões empenhados em emendas de relator. Em seguida vem o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) de Rogério Marinho, controlando R$ 2,3 bilhões dos R$ 7,8 bilhões das emendas de relator liberadas até agora no ano.

Procurada, a Secretaria de Governo negou que trate sobre emendas de relator. “A responsabilidade da Segov é as emendas impositivas. A pasta não trata sobre RP9”, disse, em nota. A Casa Civil disse que a demanda deveria ser dirigida à Secretaria de Governo.