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Mundo COP-26

Brasil aderiu a compromisso sobre metano na COP26 por pressão dos EUA

Numa reunião em setembro, ministérios da Agricultura e Meio Ambiente se manifestaram contrários à adesão ao acordo, que é político e não vinculante juridicamente
Criação de gado em Porto Velho (RO). O Brasil emite 14,5 milhões de toneladas de metano na agropecuária. Deste volume, 97% vêm de fermentação entérica — o arroto do boi — e manejo de dejetos de animais Foto: Edilson Dantas / O Globo/17-09-2021
Criação de gado em Porto Velho (RO). O Brasil emite 14,5 milhões de toneladas de metano na agropecuária. Deste volume, 97% vêm de fermentação entérica — o arroto do boi — e manejo de dejetos de animais Foto: Edilson Dantas / O Globo/17-09-2021

GLASGOW, ESCÓCIA  — Foi através de um tuíte do Itamaraty em português e em inglês que a comunidade internacional — e boa parte do governo brasileiro — soube que o Brasil iria aderir à iniciativa de cortar emissões de metano liderada pelos Estados Unidos com apoio da União Europeia (UE). O governo brasileiro era contrário e cedeu à pressão dos EUA.

"Como parte das negociações da COP26 o Brasil irá aderir ao Compromisso Global do Metano. O Brasil é parte da solução dos desafios da mudança do clima", diz o texto, publicado na segunda-feira.

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Mais de 100 países, entre eles o Brasil, anunciaram nesta terça-feira, durante a COP26, que se juntaram à proposta de cortar emissões de metano em 30% até o final da década, em relação aos níveis de 2020.

Metano é um poderoso gás-estufa, muito mais nocivo do que o CO2. Em 2020, o Brasil emitiu 20,2 milhões de toneladas de metano, sendo 72% da agropecuária, 16% de resíduos e  9% de mudança de uso da terra. O Brasil emite 14,5 milhões de toneladas de metano na agropecuária. Deste volume, 97% vêm de fermentação entérica — o arroto do boi — e manejo de dejetos de animais.

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A iniciativa começou a ser formatada pelos Estados Unidos há alguns meses. O governo de Joe Biden enfrenta dificuldades domésticas para aprovar o pacote de recursos para o clima e tem emissões de metano na exploração de gás de xisto. A iniciativa foi anunciada pelo presidente Biden na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, em setembro, mas não teve muita adesão.

Os esforços de convencimento de outras nações foram acelerados. Na COP26 houve a adesão de mais de 100 países.

O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) manifestou-se inicialmente contrário à iniciativa. As emissões de metano do Brasil vêm, primordialmente, da pecuária. Para reduzi-las, seria necessário diminuir o rebanho ou investir no melhoramento da pecuária.

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Em setembro, uma reunião com representantes dos ministérios da Agropecuária, Meio Ambiente, Relações Exteriores, Energia e Ciência, Tecnologia e Inovações foi feita para avaliar se o Brasil deveria juntar-se ou não à aliança. Todos se manifestaram contrários.

Os EUA, contudo, pressionaram fortemente o Brasil via Departamento de Estado. Nos últimos dias, o embaixador brasileiro em Washington, Nestor Forster, convenceu o Itamaraty a aderir à iniciativa, segundo o Valor apurou. Assim surgiu o tuíte.

O impacto, em algumas áreas do governo, foi de assombro e a decisão não foi bem recebida. Entre técnicos, contudo, há o entendimento de que é geopoliticamente importante o Brasil fazer parte da coalizão.

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O compromisso de cortar as emissões em 30% é global e não há divisão de percentuais entre os signatários. Ou seja, não se diz quanto o Brasil teria que cortar. O outro ponto é que se trata de uma declaração política, algo que tem a força de um acordo de cavalheiros em termos de acordos internacionais.

Claro que quem aderiu e depois não cumpre tem que arcar com os danos na imagem — que é o que vale para consumidores e investidores. Para a proteção do clima, cortar emissões de metano é excelente. A atividade humana responde por 60% das emissões do gás metano, que responde por 30% do aquecimento global.

(A jornalista viajou a Glasgow a convite do Instituto Arapyaú)