Descrição de chapéu lei rouanet

Governo aprova, na Rouanet, evento com Marcos Pontes, mas barra festival de jazz

Encontro de tecnologia captou com projeto na categoria artes visuais, e Frias diz que só financia ações culturais

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Brasília e Belo Horizonte

Um evento de tecnologia, inovação e empreendedorismo recebeu aprovação do governo Bolsonaro para captar R$ 2,7 milhões via Lei Rouanet, apesar de não ser dedicado à cultura. Desse valor, os organizadores do evento, que começa no dia 13 vai até o dia 16, no Rio de Janeiro, conseguiram captar R$ 2 milhões com a XP , BNY Mellon, Mercado Livre e uma empresa de tecnologia da informação.

O ingresso para os quatro dias de evento é R$ 490 e não há meia-entrada, apenas clientes Ourocard têm direito a um desconto de 50%. A lei exige que o preço médio dos ingressos seja de R$ 225.

O Rio Innovation Week terá entre os palestrantes Richard Branson, presidente da Virgin, Steve Wozniak, cofundador da Apple, o astronauta Marcos Pontes, ministro da Ciência e Tecnologia do governo e o prefeito do Rio, Eduardo Paes, do PSD. O projeto foi enquadrado como sendo de artes visuais. A organização afirma que este será o maior e mais completo evento de tecnologia e inovação da América Latina.

Montagem com anúncio de palestrantes da Rio Innovation Week, entre eles, o ministro Marcos Pontes
Montagem com anúncio de palestrantes da Rio Innovation Week, entre eles, o ministro Marcos Pontes - Reprodução

Em outras ocasiões, a Secretaria Especial da Cultura do governo Bolsonaro já reprovou projetos que não eram exclusivamente voltados para a área cultural, como foi o caso do Instituto Vladimir Herzog, no ano passado.

Na época da reprovação, Mario Frias e o secretário que comanda a Rouanet, o PM André Porciuncula, deixaram bem claro a exigência da exclusividade temática quando reprovaram o plano anual do instituto que trata de temática sensível ao bolsonarismo —a memória de uma vítima da ditadura militar brasileira.

"Esta é a primeira vez, em dez anos, que se aplica a legislação de forma correta, não autorizando o financiamento do plano anual, através da Lei de Incentivo Cultural, de um instituto que não desenvolve apenas atividade cultural, mas, também, jornalística, como consta no CNAE [Classificação Nacional de Atividades Econômicas] da referida instituição", afirmou Frias na ocasião.

A gestão Mario Frias também rejeitou o projeto do Festival de Jazz do Capão, na Bahia, e justificou o parecer negativo pelo fato de o festival ter feito uma postagem em sua página no Facebook se declarando um festival antifascista e pela democracia.

O post fez com que a secretaria da Cultura considerasse aquele um evento político, e não cultural. "A lei é bastante clara, apenas eventos culturais serão financiados com a verba federal da Rouanet", afirmou Frias na ocasião.

O parecer que barrou o Festival do Capão citava Deus, vinha repleto de referências religiosas e frases como "o objetivo e finalidade maior de toda música não deveria ser nenhum outro além da glória de Deus e a renovação da alma".

Atualmente, está em vigor um decreto, de julho do ano passado, que exige que planos anuais financiem "atividades de instituições exclusivamente culturais". Tanto o projeto do Festival de Jazz do Capão quanto o do plano anual do Instituto Vladimir Herzog são anteriores ao decreto, porém.

Tendo em vista a aparente falta de isonomia no tratamento para um projeto que não toca em tema sensível ao governo Bolsonaro —e que além disso terá um ministro de Estado como palestrante—, a reportagem perguntou à Secretaria Especial da Cultura o motivo da aprovação do projeto do Rio Innovation Week, um evento de negócios, na Roaunet. Não houve resposta até a publicação desta reportagem.

A instrução normativa que rege a Rouanet atualmente estabelece que metade dos ingressos deve ser comercializada a preço de meia entrada e que o preço médio do ingresso deve ser limitado a R$ 225. A norma exige ainda que pelo menos 10% dos ingressos sejam vendidos a um preço que não ultrapasse o vale-cultura, que é de R$ 50.

A organização do evento afirma que "foram disponibilizadas gratuidades para diferentes instituições de pesquisa e educação, associações, empresas participantes e aceleradoras".

O evento Rio Innovation Week só toca lateralmente temas que podem ser entendidos como culturais. De acordo com o site do evento, haverá um espaço chamado Pop & Tech, que trará "atrações interativas de mundos digitais e virtuais com produção cultural de experts" e que vai "impulsionar a economia criativa, os negócios e a sustentabilidade desse segmento".

O principal escopo do Rio Innovation Week, no entanto, como fica claro em seu site, é o empreendedorismo, com palestras de empresários e investidores famosos.

Captura de tela do site da Rio Innovation Week, que recebeu verbas via Lei Rouanet
Captura de tela do site da Rio Innovation Week, evento de tecnologia que recebeu verbas via Lei Rouanet - Reprodução

Espaços descritos no projeto como culturais são descritos no site do evento como relativos a temas como tecnologia para o varejo, marketing digital, inovação em esporte, ciência da vida, desenvolvimento humano e social e ciência da natureza.

A proposta pedagógica enviada pelos organizadores à secretaria da Cultura afirma que o espaço chamado .Futuro contará com "palestrantes oriundos de empresas do mundo cultural, acadêmico, de entretenimento, institucional e empresas em transformação". Outro espaço citado no documento é o SDP Summit, que, segundo o site do evento, abordará temas como "educação financeira, energia, segurança digital e novos mercados".

A reportagem entrou em contato com a Secretaria Especial da Cultura, questionando sobre o porquê do enquadramento do evento corporativo na Lei Rouanet e em que medida o projeto difere da proposta do Instituto Vladimir Herzog, mas não recebeu retorno até a publicação.

A Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos, a Apex-Brasil, também patrocinou o evento, "em linha com seu planejamento estratégico, que prevê prioridade a ações de inovação e internacionalização", mas não quis dizer quanto aportou, apenas que era "na categoria bronze, como consta no site do evento".

"Em linha com seu planejamento estratégico, que prevê prioridade a ações de inovação e internacionalização, a Apex-Brasil está entre os patrocinadores do evento, que deverá oferecer informações e oportunidades relevantes a startups brasileiras em busca de negócios no exterior", disse.

A organização do evento informou, por nota, que foi incentivado pela Lei Rouanet e captou da empresa XP o valor de R$ 1,3 milhão. Acrescentou que esse valor foi captado em 2019 —postergado por causa da pandemia.

A organização argumentou que o evento terá espaços de debates e workshops sobre inovação e tecnologia para o segmento de cultura, além da exposição de obras de renomados artistas brasileiros, algumas delas com matéria-prima reciclada.

Segundo a organização, o evento tem 20 curadores que analisaram as participações de acordo com os objetivos do encontro. Terá 500 palestrantes, além da presença de mais de mil startups e 190 expositores. O público total esperado é de cerca de 40 mil pessoas, e o custo total do evento é de cerca de R$ 13 milhões, "maior parte proveniente da iniciativa privada".

A organização do evento também recebeu R$ 6,5 milhões da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a Uerj, por meio da Faperj, a Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa, para a montagem de toda a infraestrutura. O contrato foi firmado sem licitação, "pelo fato de a empresa fornecer um serviço especializado único, sem concorrência" diz a Uerj, que justifica com a Lei de Licitação e contratos.

"A Uerj participará da Rio Innovation Week em parceria com as demais instituições ligadas à Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado do Rio de Janeiro, apresentando projetos de pesquisa em várias áreas do conhecimento, com a presença de seus cientistas, alunos e professores em palestras, mesas-redondas e painéis", completa.

Os patrocinadores XP Investimentos e BNY Mellon não quiseram se manifestar. O Mercado Livre afirma que o patrocínio "foi realizado considerando que o projeto do evento foi devidamente aprovado pelas autoridades competentes".

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