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Segunda final em três Copas: por que a Argentina consegue e o Brasil não?

Jogadores da Argentina comemoram o segundo gol de Álvarez contra a Croácia - Xinhua/Xu Zijian
Jogadores da Argentina comemoram o segundo gol de Álvarez contra a Croácia Imagem: Xinhua/Xu Zijian

Colunista do UOL, em São Paulo

15/12/2022 04h00

Classificação e Jogos

Duas finais de Copas do Mundo nas últimas três edições. Sob a ótica dos números, o momento da Argentina no maior evento do futebol é digno de admiração. Em 2014, os vizinhos perderam para a Alemanha apenas no segundo tempo da prorrogação do Maracanã. Neste domingo, às 12h (de Brasília), eles têm nova oportunidade de dar a volta olímpica que perseguem há 36 anos. O adversário será a França de Kylian Mbappé, apelidado pelos portenhos de "Mbappelé".

Resgatando a história das Copas, chama a atenção que a Argentina, desde quando organizou seu Mundial, em 1978, tem agora cinco finais disputadas (além das duas recentes, ganhou em 1978 e 1986, e perdeu em 1990). Já o pentacampeão Brasil soma três neste período, faturando as de 1994 e 2002 e ficando com o vice em 1998.

As cinco finais argentinas vêm com a assinatura das gerações de Diego Maradona e Lionel Messi, enquanto o Brasil, sem chegar ao jogo mais importante do mundo há 20 anos, ainda não retomou a linhagem de craques da estirpe de Romário e Ronaldo, últimos a erguer a Copa do Mundo.

Confira agora seis motivos para entender por que a Argentina chega ao domingo à sua segunda final de Copas nas últimas três edições, enquanto o Brasil vai se limitar apenas a torcer. Contra, como é tradição, ou a favor, o que vem sendo mais comum por causa da "Messimania".

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Messi marcou de pênalti o primeiro gol da Argentina sobre a Croácia
Imagem: Molly Darlington/Reuters

Fator Messi

O primeiro e mais evidente motivo é também o essencial. Apontado como um dos maiores jogadores de todos os tempos, Messi vai para a sua segunda final de Copa do Mundo, o que é plenamente natural aos que acompanham sua carreira de incríveis 17 anos pela Argentina. A pergunta a ser feita é: como ele ainda não ganhou a Copa?

O gênio, porém, contou com uma admirável cota de suor para chegar a este momento. Ele havia abandonado a seleção argentina em 2016, depois de perder um pênalti e comprometer a Argentina numa final de Copa América contra o Chile, mas sua magia logo voltou à azul e branca. Com ele, a Argentina saiu da fila de 28 anos sem títulos (com a Copa América conquistada no ano passado no Maracanã) e obtém agora esta final depois do baile sobre a Croácia.

"Ele está com a energia de um garoto e com a experiência de um veterano. É tranquilamente o melhor Messi que vimos em Copas", analisou ao UOL o ex-goleiro Sergio Goycochea, hoje comentarista de TV na Argentina e apresentador oficial da seleção no Qatar.

Messi ganhou sete vezes a Bola de Ouro, entre 2009 e 2021. O último brasileiro a atingir o cume das premiações individuais foi Kaká, em 2007, mostrando que as gerações que vieram a seguir não acompanharam a trajetória de glórias do Brasil, a exemplo do que conseguiram, por exemplo, Romário, Rivaldo, Ronaldo e Ronaldinho.

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Scaloni pode bater marca histórica na Copa do Mundo 2022
Imagem: GettyImages

Técnicos iniciantes e em ascensão

Parece curioso, mas o argentino Alejandro Sabella, em 2014, era um técnico de pouca bagagem. Histórico ajudante de Daniel Passarella, ele virou treinador principal apenas em 2009, com o Estudiantes de La Plata, ganhando a Libertadores e sufocando o Barcelona na decisão que acabou perdendo no finalzinho no Mundial de Clubes.

Quando assumiu a Argentina em 2011, no lugar de Sergio Batista, Sabella estava apenas em sua segunda experiência de fato como técnico. Foi tão bem que levou a Argentina de Messi e Mascherano à final. Até o surgimento de Lionel Scaloni, era ele, Sabella, a referência de sucesso de Messi na seleção.

Já Scaloni era uma aposta ainda mais arriscada. Ele jamais havia treinado times ou seleções, e apenas se ocupou da vaga aberta com a saída de Jorge Sampaoli, de quem era assistente. Agarrou a oportunidade e deu conta do recado. Está em sua terceira final, ganhando a Copa América e a Finalíssima contra a Itália, em Wembley. Das últimas 42 partidas, perdeu apenas a estreia da Copa, contra a Arábia Saudita.

Há décadas, a Argentina tem uma consagrada escola de técnicos ao redor do mundo, com exemplos nos mais diversos países, incluindo a Europa. Há estrutura, há fome de conhecimento e há vários exemplos de profissionais bem-sucedidos.

O Brasil não mantém tal desenvoltura. Depois de contar com Luiz Felipe Scolari no penta, o chamou de volta para a Copa de 2014. Carlos Alberto Parreira, campeão em 1994, dirigiu também em 2006. Dunga e Tite, as tentativas que saíram deste perfil, pararam ambos nas quartas de final, em 2010, 2018 e agora 2022.

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Emiliano Martínez, o herói da Argentina
Imagem: GettyImages

Safra excelente

A Argentina que jogou a final de 2014 no Maracanã contava com os jogadores que foram campeões olímpicos em 2004 e 2008, como Messi, Di María, Agüero e Mascherano. Os dois primeiros seguem na equipe, os dois últimos se aposentaram. Vieram depois excelentes reposições, como Dibu Martínez, Enzo Fernández, Julian Álvarez, Alexis Mac Allister, Rodrigo de Paul e Cristian Romero, jogadores que foram testados e aprovados por Scaloni, causando considerável estranheza quando ele bancou a titularidade de alguns desses nomes.

A mistura entre a capacidade técnica dos jogadores e da comissão permitiu que a Argentina montasse um time coeso que resiste a muitas mudanças tanto de nomes quanto de esquemas. Foi assim para ganhar a Copa América do ano passado e tem sido assim no Qatar, quando a Argentina superou três semanas de tensão para sair da derrota na estreia até a decisão da Copa, contra a França.

Já no Brasil, apesar da safra atual ser considerada a mais promissora do país desde 2006, a reunião de talentos não vingou em campo. Como já havia acontecido 16 anos atrás, no fim da era Ronaldo, Ronaldinho, Cafu e Roberto Carlos.

Houve um outro momento de ilusão: a Copa das Confederações de 2013, conquistada em cima da Espanha, quando Thiago Silva, Marcelo, Neymar e Fred, aos gritos de "O campeão voltou", mostraram que o Brasil poderia sonhar com o título da Copa do Mundo realizada em casa — e veio então o traumático 7 a 1 para a Alemanha na semifinal.

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Lionel Scaloni e Claudio Tapia, presidente da AFA, viajam para o Qatar
Imagem: Divulgação/Claudio Tapia

AFA parou de jogar contra

A Argentina que chega agora à sua segunda decisão precisou superar uma forte crise. Em 2014, a AFA (Associação do Futebol Argentino) sofreu a morte de Julio Grondona, seu histórico presidente, e só em 2017 houve um novo mandatário, Claudio "Chiqui" Tapia, que já está em seu segundo período à frente da entidade (até 2024).

O caos institucional era criticado abertamente pelos jogadores nas redes sociais, e Tapia, bastante próximo aos atletas, costurou importantes acordos comerciais na China e no Oriente Médio, se gabando do momento econômico mais pujante da seleção, em que pese a histórica instabilidade do dinheiro dentro das fronteiras argentinas.

Há muitas críticas ao descuido da AFA ao futebol local, cada vez em pior estado, mas a organização da seleção tem sido uma referência histórica. Um exemplo: o contrato do técnico Scaloni foi renovado antes mesmo da disputa do Mundial, algo impossível de imaginar em qualquer outro momento recente da seleção argentina.

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Holanda x Argentina pela Copa do Mundo
Imagem: AFP

Comunhão do time com a torcida

É muito comum que jogadores argentinos saiam do país ainda adolescentes para fazer a carreira no exterior, mediante a falta de dinheiro e oportunidades no país vizinho. Voltar à seleção e defender o país é uma maneira de compensar a distância e manter as raízes sempre muito sólidas no caso dos jogadores com a torcida argentina.

A comoção vista no Qatar é enorme, mas que obedece o que se nota ao longo dos tempos. Há uma mística de paixão e loucura por parte dos atletas, que jogam realmente como "torcedores em campo", atuando com uma raça que, não raramente, acaba ultrapassando os limites.

Para os fanáticos argentinos, pouco importa. E falar de fanáticos é citar tanto torcedores como jogadores. São comuns os atletas que fazem questão de dormir com a própria camisa da seleção, como fazia Maradona. E outros vão além e tatuam até o escudo da AFA, como o volante Rodrigo de Paul.

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Messi celebra ajoelhado no gramado do Maracanã após conquistar a Copa América e seu 1° título pela Argentina
Imagem: Thiago Ribeiro/AGIF

Caiu e levantou

É preciso reconhecer também que esta segunda final argentina em Copas tem muito de teimosia.

A seleção era vista como "faz me rir" até entre os próprios argentinos, acumulando sete derrotas em finais, três delas em anos consecutivos: 2014 (para a Alemanha no Mundial), 2015 e 2016 (ambas para o Chile na Copa América).

A tensão era tamanha que parte da imprensa, da torcida e até mesmo de ex-jogadores implorava para que Messi e Di María se aposentassem e deixassem a seleção. Por sorte do país que hoje vibra esperando a decisão de domingo, ambos foram fortes e superaram as críticas.

A tensão se expandiu também aos dirigentes e aos treinadores que vieram na sequência, como Gerardo "Tata" Martino, Edgardo "Patón" Bauza, Jorge Sampaoli e até mesmo Lionel Scaloni, detonado em seu começo e hoje uma rara unanimidade no país.

Há uma frase de "Patón" Bauza que sempre é resgatada para resumir a relação muitas vezes tumultuada entre a torcida argentina e a sua seleção: "Eu disse a Messi que há sempre uma turma que vai te deixar louco. Não dê ouvidos. De outro modo, é impossível viver".

Foi desta maneira que o técnico convenceu o camisa 10 a voltar à seleção, em 2016. E olhe onde ele está agora.

O UOL News Copa fala sobre a decisão da Copa, o embate Messi x Mbappé, a seleção favorita, o psicológico dos jogadores brasileiros e mais! Confira: