Gilberto Gil, um filho de Gandhy

De espectador dos desfiles do bloco afoxé durante a infância a integrante responsável por ajudar a conservar a tradição do espetáculo.

Do Instituto Gilberto Gil

Redação: Ceci Alves, cineasta e jornalista

Bastidores do Afoxé Filhos de Gandhy, no carnaval baiano (1999)Instituto Gilberto Gil

Na memória

De volta do exílio, em 1972, ao aportar de malas e bagagens no carnaval da Bahia, Gilberto Gil mal podia esperar para ver o tapete branco do Afoxé Filhos de Gandhy passar pela avenida.

Bastidores do Afoxé Filhos de Gandhy, no carnaval baiano (1999)Instituto Gilberto Gil

Era o bloco de sua infância, que ele se acostumara a ver desde a criação deste, em 1949, quando o artista tinha apenas sete anos de idade, e morava no bairro do Santo Antônio Além do Carmo, em Salvador.

De sua janela, ele pôde testemunhar a primeira passagem do afoxé pelas ruas da cidade, e guarda a lembrança de como ficara mesmerizado por aqueles homens todos trajados de branco e azul, pregando os ideais de paz e concórdia.

Bastidores do Afoxé Filhos de Gandhy, no carnaval baiano (1999)Instituto Gilberto Gil

“Os integrantes passavam pela porta de casa (...), todos de branco, com turbantes e lençóis, palhas de alho trançadas e fita na cabeça, e com um toque que era diferente do samba, da marcha, do frevo, dando uma sensação de espaço sagrado...

"...depois viemos a saber que o afoxé era mesmo um toque religioso do candomblé”, testemunhou Gil, em depoimento sobre a letra da canção Filhos de Gandhi, ao livro Todas as Letras (2003), organizado pelo compositor, jornalista e escritor Carlos Rennó.

Filhos de Gandhi

Gilberto Gil compôs esta música para a agremiação carnavalesca no ano de 1972 (editando-a e gravando-a em 1973), quando, ao vê-la passar, foi arrebatado por outro sentimento: o de preocupação diante da penúria em que o bloco se encontrava.

Bastidores do Afoxé Filhos de Gandhy, no carnaval baiano (1999)Instituto Gilberto Gil

O quase fim do bloco

O afoxé vinha enfrentando uma grave crise administrativo-financeira, que culminou com o fechamento de suas portas, entre 1974 e 1976.

Gilberto Gil no Afoxé Filhos de Gandhy (1989)Instituto Gilberto Gil

“(...) Encontrei o afoxé Filhos de Gandhi sem massa humana na avenida, reduzido a apenas uns 40 ou 50 na praça da Sé. O bloco, tão vivo na minha memória, tinha sido um dos grandes emblemas da minha infância e era o mais antigo da cidade”, conta Gil, no livro Todas as Letras.

Do desalento surgiu a música – a qual parece evocar ao panteão dos orixás que viessem cuidar daquela agremiação, que, além de servir como um folguedo carnavalesco àqueles homens, era uma espécie de culto à nação Ijexá, um dos ramos do Candomblé que veio da África para a Bahia.

Gilberto Gil em momento ritualístico durante o último dia oficial do carnaval baiano (2020-02-25)Instituto Gilberto Gil

Filhos de Gandhi, do álbum O Viramundo, Vol. 2 (Ao Vivo), de 1976
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Filhos de Gandhi

Oxum, Oxumaré
Todo o pessoal
Manda descer pra ver
Filhos de Gandhi

Iansã, Iemanjá, chama Xangô
Oxóssi também
Manda descer pra ver
Filhos de Gandhi

Além de haver suscitado a Gilberto Gil esse belo hino, o desfile levou o artista a estabelecer uma de suas tradições carnavalescas mais longevas: por conta desse episódio, ele se filiou ao Gandhy, onde sai desde 1976.

Trajado de Filho de Gandhy, Gilberto Gil em momento ritualístico durante o último dia oficial do carnaval baiano (2020-02-25)Instituto Gilberto Gil

Filhos de Gandhi foi gravada por ele para o LP coletivo Phono 73; posteriormente por Maria Bethânia, em Drama – 3º Ato (também em 1973); e, depois, Gil a regravou em estúdio, como um dueto entre ele e Jorge Benjor, à época Jorge Ben, para o álbum Gil & Jorge, Ogum Xangô (1975).

Gilberto Gil com o neto Francisco e a bisneta Sol de Maria nos bastidores do bloco Afoxé Filhos de Gandhy (2017-02-26)Instituto Gilberto Gil

Tradição como herança

Gilberto Gil, inclusive, já está passando a tradição do bloco para as outras gerações da família: por exemplo, nos 70 anos do bloco, em 2019, ele levou o neto Francisco Gil, filho de Preta Gil, para desfilar com ele. Na foto de 2017, Francisco aparece no camarote.

Gilberto Gil e o genro João Paulo Demasi se preparam para desfile no bloco Afoxé Filhos de Gandhy (2017-02-26)Instituto Gilberto Gil

O genro João Paulo Demasi, marido de Bela Gil, também vem acompanhando  o patriarca nos carnavais com os filhos Flor e Nino (foto).

No camarote Expresso 2222, Gilberto Gil assiste ao desfile do bloco Afoxé Filhos de Gandhy no Carnaval de Salvador (2019-03-04)Instituto Gilberto Gil

Um sentimento

“Quando eu tô no Gandhy, eu gosto do canto e da dança do ijexá. Aí eu me sinto parte integrante, molécula, partícula de uma coisa grande que é o canto e a dança da Bahia, o canto e a dança que vieram da África, a tradição do Candomblé...

"...É um momento insubstituível. Têm muitas outras coisas boas na vida, mas tocar seu agogô ali na avenida não dá nem pra falar”, escreveu o cantor e compositor em suas redes sociais, em homenagem aos septuagésimo aniversário do Filhos de Gandhy.

Desfile do Afoxé Filhos de GandhyInstituto Gilberto Gil

O amor de Gil pelo Gandhy não só contribuiu para retirar a agremiação da decadência, nos anos 1970,  como também desempenha um papel fundamental para a manutenção da entidade, e para o reconhecimento de sua importância como patrimônio brasileiro. 

Desfile do Afoxé Filhos de GandhyInstituto Gilberto Gil

Ela é a maior agremiação humana dessa natureza em número de sócios, com direito à marca no Guiness Book.

Gilberto Gil apresenta versão adaptada da música O Gandhi ao seu neto João Gil, em cena caseira (2019-03-03)Instituto Gilberto Gil

O Patrono

Gilberto Gil também é um dos patronos do Gandhy, já tendo sido até vice-presidente da instituição, o que ajudou a requalificá-la administrativamente, para que o grupo siga existindo, sem depender tanto da venda das fantasias.   

Desfile do Afoxé Filhos de GandhyInstituto Gilberto Gil

No camarote Expresso 2222, Gilberto Gil e a esposa e empresária Flora Gil assistem ao desfile do bloco Afoxé Filhos de Gandhy no Carnaval de Salvador (2019-03-04)Instituto Gilberto Gil

O cunho religioso

Apesar do cunho religioso, o Filhos de Gandhy foi criado como uma forma de reunir politicamente os estivadores portuários de Salvador, que, à época do pós-guerra, enfrentavam uma crise que ameaçava seus empregos e arrochava seus salários. 

No camarote Expresso 2222, Gilberto Gil e a esposa e empresária Flora Gil assistem ao desfile do bloco Afoxé Filhos de Gandhy no Carnaval de Salvador (2019-03-04)Instituto Gilberto Gil

O nome do líder pacifista hindu Mahatma Gandhi foi sugerido pelo estivador Durval Marques da Silva, o Vavá Madeira, fundador do bloco, que explicou aos colegas a importância de seu ativismo, e contou a eles que tinha sido assassinado um ano antes e merecia a homenagem.

No camarote Expresso 2222, Gilberto Gil e a esposa e empresária Flora Gil assistem ao desfile do bloco Afoxé Filhos de Gandhy no Carnaval de Salvador (2019-03-04)Instituto Gilberto Gil

Gilberto Gil com os colares dos Filhos de Gandhy durante o carnaval 2020 em Salvador (2020-02-24)Instituto Gilberto Gil

Ontem e hoje

O início foi difícil, mas eles resistiram, saindo às ruas, sempre entoando o ritmo peculiar e cadenciado da nação Ijexá; tocando instrumentos ritualísticos, como o agogô e o xekerê; e ofertando ao público maçãs, peras e uvas, que representam a limpeza do corpo, da aura.    

Gilberto Gil com os colares dos Filhos de Gandhy durante o carnaval 2020 em Salvador (2020-02-24)Instituto Gilberto Gil

E, o ponto alto de todo o desfile, durante estes 71 anos de sua fundação: perfumando as ruas com sua alfazema, e, com suas indumentárias, transformando a avenida em um imenso tapete branco simbolizando a bandeira da paz.   

Créditos: história

Pesquisa e redação: Ceci Alves
Montagem: Patrícia Sá Rêgo 

Créditos gerais 


Edição e curadoria: Chris Fuscaldo / Garota FM Edições
Pesquisa do conteúdo musical: Ceci Alves, Chris Fuscaldo, Laura Zandonadi e Ricardo Schott 
Pesquisa do conteúdo MinC: Carla Peixoto, Ceci Alves e Chris Fuscaldo
Legendas das fotos: Anna Durão, Carla Peixoto, Chris Fuscaldo, Daniel Malafaia, Fernanda Pimentel, Gilberto Porcidonio, Kamille Viola, Laura Zandonadi, Lucas Vieira, Luciana Azevedo, Patrícia Sá Rêgo, Pedro Felitte, Ricardo Schott, Roni Filgueiras e Tito Guedes
Edição de dados: Isabela Marinho e Marco Konopacki
Revisão Gege Produções: Cristina Doria
Agradecimentos: Gege Produções, Gilberto Gil, Flora Gil, Gilda Mattoso, Fafá Giordano, Maria Gil, Meny Lopes, Nelci Frangipani, Cristina Doria, Daniella Bartolini e todos os autores das fotos e personagens da história
Todas as mídias: Instituto Gilberto Gil
 
*Todos os esforços foram feitos para creditar as imagens, áudios e vídeos e contar corretamente os episódios narrados nas exposições. Caso encontre erros e/ou omissões, favor entrar em contato pelo e-mail atendimentogil@gege.com.br
 

Créditos: todas as mídias
Em alguns casos, é possível que a história em destaque tenha sido criada por terceiros independentes. Portanto, ela pode não representar as visões das instituições, listadas abaixo, que forneceram o conteúdo.
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