Blog da Sandra Cohen

Por Sandra Cohen

Especializada em temas internacionais, foi repórter, correspondente e editora de Mundo em 'O Globo'


Ramzan Kadyrov, presidente da Chechênia, em foto de 2018 — Foto: Kirill Kudryavtsev/AFP

Crítica de Putin e assassinada em Moscou em 2006, a jornalista russa Anna Politkovskaya costumava referir-se a Ramzan Kadyrov, o presidente checheno pró-Putin, como o “Stalin dos nossos tempos”. Ele cultiva a reputação sanguinária de líder autoritário em vídeos postados nas redes sociais: está ligado a execuções, ao uso de torturas e a um leque de violações de direitos humanos, além de uma ferrenha campanha contra os direitos dos homossexuais.

Assim que as forças russas atacaram a Ucrânia, no fim do mês passado, Kadyrov anunciou que lideraria uma tropa de combatentes chechenos a caminho de Kiev para mostrar lealdade ao presidente russo na sua odisseia para a "desnazificação" do país. “Nós não vamos decepcionar você. Seguiremos qualquer ordem”, proclamou à TV estatal.

O número de combatentes chechenos recrutados variava entre 10 mil e 70 mil, claramente superestimados, num indício de que a adesão à guerra de Putin poderia ser mais um instrumento de propaganda do que realidade. Surgiram imagens de forças especiais hasteando a bandeira chechena na cidade de Hostomel, a 16 km de Kiev.

Senhor da guerra, Kadyrov chefia desde 2006 a Chechênia, uma pequena república muçulmana no norte do Caúcaso. Herdou o cargo do pai, Akhmat, nomeado líder pela Rússia em 2000, após duas guerras sangrentas na Chechênia. Ele lutou primeiro pela independência. Depois, mudou de lado. Foi assassinado quatro anos depois, num atentado suicida em Grozny.

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O filho Ramzan assumiu o poder e vem se beneficiando de transferências de investimentos federais, que representam a maior parte do orçamento da república. Se a jornalista Anna Politkovskaya, a quem considerava inimiga ferrenha, comparou Kadyrov filho a Stalin, ele se autoproclama “um patriota, um soldado de infantaria do presidente da Rússia, Vladimir Putin”.

A presença do batalhão Kadyrovtsk, como é conhecida a sua milícia, no teatro da guerra supunha mais perversidade e selvageria nos combates. Há relatos, confirmados pelo governo ucraniano, de que o grupo atentaria contra a vida de Zelensky e sua família.

Kadyrov alardeou estar frustrado com o ritmo do avanço da Rússia e insistia em implementar táticas mais ferozes à guerra de Putin. Mandou recados para o presidente da Ucrânia e agiu em nome do presidente russo. “Zelensky, se você confia na Rússia e está pronto para o diálogo, estou pronto para me encontrar com você e pedir pessoalmente ao presidente russo Vladimir Putin que lhe dê asilo. Aproveite sua única chance.”

A resistência ucraniana, no entanto, vem infligindo golpes a seu batalhão. O primeiro deles foi uma emboscada que deixou 70 mortos, entre eles o general Magomed Tushayev, braço direito do líder checheno e acusado de implementar torturas e execuções a membros da comunidade LGBTQ+.

No campo de batalha, seus homens se revelaram mal equipados e despreparados. Para piorar o quadro, os adversários ucranianos receberam o apoio de inimigos internos – combatentes que lutaram contra a Rússia nas duas guerras Chechênia e já haviam apoiado a Ucrânia durante a anexação da Crimeia, em 2014.

A guerra psicológica promovida por Moscou com imagens de combatentes chechenos com o intuito de aterrorizar os ucranianos não parece surtir o efeito desejado, nem para Putin nem para Kadyrov. Até agora, não passou de bravata.

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