‘Meu bloco é maior que o seu’

Tarde de quarta-feira, Salão Verde lotado. Refletores triplicavam o calor do saguão da Câmara dos Deputados à espera da entrevista do líder do União Brasil, Elmar Nascimento (BA). Repórteres e assessores se acotovelavam na borda do círculo marcado pelo tapete bege redondo que delimita o picadeiro. Ao centro, sentados no chão, jornalistas estavam prontos para a transmissão do anúncio do dia: a oficialização de um bloco parlamentar com sete partidos e uma federação. O “superbloco”, engendrado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), reuniu sob a mesma lona PP, União Brasil, Solidariedade, Avante, Patriota, a federação PSDB-Cidadania e, mais à esquerda, PSB e PDT. Distante fisicamente, Lira era o personagem mais presente naquele salão.

Vindos da Residência Oficial da Câmara, onde Lira se restabelece de uma cirurgia, os atores chegaram pelo elevador privativo que dá acesso ao cafezinho. Antes da coletiva, Nascimento e o deputado Felipe Carreras, do PSB de Pernambuco, ainda tentavam arrumar explicações para as diferenças internas do bloco. Reconheceram que o melhor caminho era admiti-las. “Colocamos nossas questões de lado no sentido de construir um bloco que seja majoritário na Câmara dos Deputados”, iniciou Nascimento. “Não há qualquer tipo de interesse de criar, sobretudo com o governo, qualquer tipo de celeuma”, avisou. Carreras seguiu: “Nós, do PSB, do PDT, do Solidariedade, partidos do campo de centro-esquerda, aliados de primeira hora do presidente Arthur Lira, vamos iniciar a largada desse bloco, simbolizando que ele vai ajudar o presidente Lula a pavimentar a governabilidade e ter uma base sólida aqui na Câmara. Isso tem que ficar muito bem registrado”, ressaltou.

Ao apresentar a nova tropa, de 173 deputados, Lira tenta embalar como uma grande vitória sua readequação a um tamanho bem mais realista na disputa por poder em Brasília. “É como na pré-história. Lira ainda é dono do tacape”, comentou um aliado, sob reserva. Mas é claro que não é possível comparar a dimensão atual com a que ele tinha no ano passado, no governo de Jair Bolsonaro (PL-RJ), quando controlava todo fluxo de emendas do orçamento secreto e ao menos 315 deputados do Centrão. Lira também tinha nas mãos parlamentares do PT e outros partidos de oposição, que se beneficiaram das emendas de relator. “Aquela conjunção não se repete mais e ele sabe disso”, resumiu outro interlocutor.

“Dois centrões”

O superbloco nasce de um outro superlativo e uma frustração. Duas semanas antes, foi oficializado o “blocão”, com 142 deputados, unindo MDB, PSD, Republicanos, Podemos e PSC, legítimas agremiações do centrão. Lira viu seu feudo dividido e precisou reagir.

Enquanto a entrevista ocorria no Salão Verde, a poucos metros dali, no corredor das comissões, um petista graúdo reclamava: “Por que o PT, tendo o governo, não puxou o bloco de apoio? Tem gente da nossa base lá, Se antes a gente tinha um centrão, agora temos dois. Haja cargo!”, reclamou, em conversa reservada com o Meio. Bem que Gleisi Hoffmann, presidente do PT, tentou trazer PDT e PSB para um bloco de esquerda. Mas falhou.

Os dois blocos do Centrão escancararam o desenho atual da Câmara. Deixaram, de um lado, o PT sozinho na federação com o PCdoB e PV. Dessa forma, a federação que era a segunda maior bancada da Câmara, com 81 deputados, passou para o 4º lugar. Do outro lado está o PL, com 99 deputados, que passou a ser o terceiro na lista. Como é da política, todo mundo tentou revestir as derrotas de escolhas bem calculadas. “O PL achou que não seria vantagem compor bloco agora, com todas as presidências de comissões já distribuídas”, disse ao Meio o deputado Ricardo Salles (PL-SP), ex-ministro de Meio Ambiente de Bolsonaro. “Seremos o fiel da balança”, avaliou o líder do partido, Altineu Côrtes (RJ), prevendo os embates que serão travados em plenário.

O resmungo em relação ao superbloco de Lira não é unanimidade no PT. Também não corresponde ao sentimento da articulação do Planalto. É claro que a apresentação da tropa de Lira foi vista como demonstração de um poder ainda bastante grande. Mas o governo enxerga pontos vantajosos. O maior deles é a percepção de isolamento do PL, principalmente da ala mais radical, bolsonarista. O Planalto sabe que teria um cenário muito pior se o PP de Lira e o União Brasil se unissem ao PL de Valdemar da Costa Neto. Também é vista com bons olhos pelo governo a presença de partidos aliados no superbloco de Lira. “Facilita o diálogo”, disse um dos auxiliares de Lula.

A divisão do Centrão teve mais um efeito: antecipou a corrida pela sucessão na Presidência da Câmara, que só acontece em 2025. O blocão do Republicanos já aponta para o nome do deputado Marcos Pereira (Republicanos-SP), que foi 1º vice-presidente da Casa no mandato passado, mas sempre esteve longe de ter o apoio de Lira que, por sua vez, quer Elmar Nascimento. Na coletiva, Nascimento tentou se desvencilhar do assunto. “Tem dois meses que ele assumiu e eu vou tratar de sucessão?”, devolveu. Mas, ao ser confrontado com a condição de candidato de Lira, não resistiu: “Deus te ouça. Eu gostaria muito”, respondeu.

Outro fator para o redimensionamento de Lira é o embate com o Senado, de Rodrigo Pacheco (PSD-MG), na questão do rito de tramitação de medidas provisórias. Lira até teve uma pequena vitória no Congresso, com a decisão de que apenas três MPs prioritárias voltariam ao modelo pré-pandemia e a discussão sobre a proporção entre deputados e senadores seguiria adiante. Mas perdeu feio diante da opinião pública. E sentiu. As comissões mistas para as matérias priorizadas pelo Planalto foram instaladas sob os moldes previstos na Constituição (ainda que as relatorias estejam sob forte influência de Lira). Sobraram a ele críticas que falam de desrespeito à Carta Magna, de boicote e chantagem ao governo.

Na terça, na hora marcada para a instalação das comissões mistas, Lira chamou uma reunião de líderes na residência oficial, que atrapalhou, por pelo menos duas horas, o quórum de deputados para a definição dos colegiados. Foi o suficiente para inflamar os senadores, principalmente seu adversário local, o senador Renan Calheiros (MDB-AL). A repercussão negativa da falta de quórum fez Lira se mobilizar. O que seu viu foi um corre-corre de deputados para desfazer a ideia de boicote. “Eu estava na residência oficial e Lira me pediu que viesse desfazer o mal-entendido. Ninguém está boicotando nada”, disse o deputado Danilo Forte (UB-CE), enquanto atravessava, a mil, os salões Verde da Câmara e Azul, do Senado, para marcar presença na sala da comissão.

Sinais de adaptação

Desde a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que acabou com o orçamento secreto, Lira tem se visto obrigado a se adaptar. Vai se redimensionando para se apropriar dos espaços restantes e, assim, evitar que esses flancos troquem de dono. No dia seguinte ao anúncio do superbloco, o próprio Lira se ocupou de fazer acenos tranquilizantes ao Planalto, sobre “chantagens” ou “oposição”. No passado, dificilmente Lira se dedicaria a esse desagravo.

Lira sabe que hoje existe um presidente forte no Planalto. Não por acaso foi o primeiro a reconhecer a vitória de Lula nas urnas, enquanto Bolsonaro, seu aliado na época, se trancava no Alvorada. Lira também foi certeiro e rápido em condenar os atos antidemocráticos de 8 de janeiro. E tem se colocado como um interlocutor importante do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), nas articulações para aprovar um novo marco fiscal. Movimentos feitos por ele viabilizaram exaustivos encontros de Haddad com deputados para explicar a proposta. Na véspera da apresentação do plano, a “aula de Haddad” na residência oficial da Câmara durou mais de quatro horas.

Outro sinal de que Lira quer evitar celeumas com o Planalto e com Lula está em sua disposição para botar freio nos arroubos bolsonaristas, principalmente de novos deputados, que vêm perturbando os trabalhos. Nesta semana, após ser cobrado publicamente pelo ministro da Justiça, Flávio Dino (PCdoB), Lira pediu à TV Câmara a íntegra da gravação da visita de Dino à Comissão de Segurança Pública da Casa.
“Ou o presidente Arthur Lira toma providências, ou essa gente extremista, violenta, além de fazer ameaças, é capaz de agredir pessoas aqui”, apontou o ministro, enquanto se retirava sob gritos de “fujão”. Lira ouviu e não gostou. Segundo interlocutores, ele cobrará providências do Conselho de Ética. É o Lira modelo 2023.

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O liberalismo ausente

15/05/24 • 11:09

Nas primeiras semanas de 2009, o cientista político inglês Timothy Garton Ash publicou no New York Times um artigo sobre o discurso de posse de Barack Obama como presidente dos Estados Unidos. “Faltava apenas”, ele escreveu, “o nome adequado para a filosofia política que ele descrevia: liberalismo.” A palavra liberalismo, sob pesado ataque do governo Ronald Reagan duas décadas antes, passou a representar para boa parte dos americanos uma ideia de governo inchado e incapaz de operar. Na Europa continental e América Latina, segue Ash, a palavra tomou o caminho contrário, representando a ideia de um mercado desregulado em que o poder do dinheiro se impõe a um Estado fraco. Não basta, sequer, chamar a coisa só de liberal. É preciso chamá-la neoliberal. Desde final dos anos 1970, já são quarenta anos de um trabalho de redefinição forçada do que é liberalismo, uma filosofia política de três séculos e meio pela qual transitaram algumas dezenas de filósofos e economistas de primeiro time. O sentido do termo se perdeu de tal forma no debate público, que mesmo muitos dos que se dizem liberais não parecem entender que conjunto de ideias representam.

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