Política Obituário

Morre o jornalista e escritor Luiz Antônio Novaes, o Mineiro, aos 56 anos

Um apaixonado pela reportagem que se dedicou a contar histórias do país sempre com otimismo
O jornalista e escritor Luiz Antônio Novaes, o Mineiro Foto: Mônica Imbuzeiro/04-06-2012
O jornalista e escritor Luiz Antônio Novaes, o Mineiro Foto: Mônica Imbuzeiro/04-06-2012

RIO - Em uma perfeita descrição de si mesmo, ao se despedir de colegas do GLOBO, em julho de 2013, o jornalista Luiz Antônio Novaes dedicou uma mensagem “aos que dizem que vão sentir saudades do humor, do jeito de reclamar, da agudeza crítica, do ceticismo e até de um certo amor pelo ímpeto criativo”. Ali, num adeus até então provisório, ele conseguiu definir as razões que fariam a Redação sentir falta dele. Amigos e colegas de profissão lamentaram a morte de Mineiro.

A alquimia, que o fazia manter a fina ironia e a graça em dias de alta tensão, era temperada por um ingrediente decisivo: a devoção ao jornalismo. Já editor, ele definia os repórteres como suas “almas gêmeas". “Reportagem, reportagem, reportagem!! Tudo isso eu vi aqui, nas mais diferentes fases da Redação. Tudo isso tem que continuar. É o nosso patrimônio. É o nosso compromisso’’, decretou, na mensagem aos colegas.

Como ele mesmo contou, desde que desistiu de cursar medicina para optar pelo caminho do jornalismo, foram mais de três décadas e meia. Por onde passou, deixou a saudade a que se referia. Do jeito tranquilo, mesmo nos momentos mais tensos; do amor pela profissão, até nos momentos em que ela precisa se reinventar.

Luiz Antônio Novaes, nascido na cidade de Alfenas, em Minas, formou-se na Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP). Começou a trabalhar em redação em 1986, como repórter na revista “Veja”. Em seguida, transferiu-se para o jornal “Folha de S.Paulo" e passou pela revista “Isto é”, antes de chegar ao GLOBO, em 1995. Foi coordenador de Nacional e secretário de Redação na sucursal de Brasília entre 1995 e 2000. Entre 2000 e 2001, foi editor de Política, para depois se tornar editor de Primeira Página, cargo que exerceu até meados de 2013. Entre 2014 e 2015, chefiou a sucursal de São Paulo do jornal.

TEMER LAMENTA PERDA

O presidente interino, Michel Temer, prestou condolências aos jornalistas do GLOBO e aos familiares de Mineiro, por meio da Secretaria de Comunicação da Presidência. Geddel Vieira Lima, ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência da República, ressaltou a importância do jornalista:

— Luiz Novaes, mineiro de boa cepa, vai fazer muita falta. Sentirei a ausência dele na página 2 do GLOBO aos sábados. Minha solidariedade a vocês.

Atualmente, o jornalista assinava, com a mulher, Mara Bergamaschi, o “Blog do Mineiro", no site do GLOBO, e a coluna “Conexão São Paulo", no jornal. “Lê os bastidores em suas conexões e contradições, sem perder a ironia. Jamais", definia-se no blog. A notícia, com toques de humor e ironia, por sinal, sempre o acompanhou. Nas eleições de 2002, lançou a coluna “No balanço da campanha", aos domingos, com um resumo descontraído dos acontecimentos da semana. Seus títulos na primeira página também eram conhecidos pela criatividade.

Bárbara, Mara (ao centro) e Álvaro, ao lado de Mineiro: dedicação, admiração, parceria e amor à família, a quem vinha se dedicando ainda mais Foto: Agência O Globo
Bárbara, Mara (ao centro) e Álvaro, ao lado de Mineiro: dedicação, admiração, parceria e amor à família, a quem vinha se dedicando ainda mais Foto: Agência O Globo

— O Mineiro foi um dos melhores jornalistas que eu conheci. E um dos melhores amigos que fiz ao longo de 35 anos de profissão. Durante mais de dez anos foi o editor da primeira página do jornal. E durante esse tempo, emprestou a ela o seu caráter, uma mistura requintada de inteligência, elegância e humor. O Mineiro vai fazer muita falta ao jornalismo, ao GLOBO e aos seus companheiros — afirmou o diretor de Redação do GLOBO, Ascânio Seleme.

PRÊMIO ESSO EM 2003

No GLOBO, Mineiro venceu, junto com Rodolfo Fernandes e Claudio Prudente, a edição de 2003 do Prêmio Esso de Jornalismo, na categoria Primeira Página. O trabalho vencedor, com a manchete “Choque e pavor", de 22 de março daquele ano, mostrava uma foto de uma explosão em Bagdá formando um enorme cogumelo que ocupava quase todo o lado esquerdo da página.

— Não sei qual Luiz Antônio Novaes, o Mineiro, foi o maior. O jornalista de rara argúcia capaz de identificar com rapidez o que de fato importa em meio ao tsunami de notícias que invade diariamente as redações? Ou o colega experiente sempre disposto a compartilhar com os mais jovens o vasto mundo de conhecimentos que acumulara ao longo de mais de 30 anos de profissão? Ou o escritor de pena primorosa que dominava o segredo de capturar a atenção do leitor logo nas primeiras linhas dos seus textos, obrigando-o a percorrê-los encantado até o fim? Ou ainda o amigo querido dos amigos seduzidos por seu riso fácil, por suas tiradas inteligentes e espirituosas, por sua generosidade e afeto que jamais nos faltaram em momentos difíceis? — disse o colunista do GLOBO Ricardo Noblat.

Há pouco mais de um ano, o jornalista se dedicava à preparação de um livro sobre a história do PT, a ser publicado pela Companhia das Letras, para o qual já havia feito uma série de entrevistas. Na juventude, Mineiro participou do Liberdade e Luta (Libelu), tendência do movimento estudantil brasileiro dos anos 1970, que teve alguns de seus quadros incorporados pelo PT.

Nos anos 1990, Mineiro já havia escrito dois livros sobre dois ex-presidentes do país. Em 1992, ano do impeachment de Fernando Collor, lançou com os jornalistas Gustavo Krieger e Tales Faria o livro “Todos os sócios do presidente". Em 1994, publicou “Como Fernando Henrique foi eleito presidente", com Luciano Suassuna.

“Ele escreveu o melhor livro sobre o impeachment de Collor, junto com Gustavo Krieger e Tales Faria. Estava escrevendo outro — que, esperamos os seus leitores, venha a ser publicado —, sobre a história do PT, que conhecia de dentro e de fora. Montou uma excelente biblioteca sobre História — que eu, por inveja, tentei copiar, sem metade do sucesso. Lia muito, fichava os livros, fazia sinapses com seu conteúdo que eram um prazer de ouvir”, lembrou o colunista José Roberto de Toledo, de “O Estado de S. Paulo”, num depoimento publicado em sua página no Facebook.

CRAQUE DA NOTÍCIA

Amigo de Mineiro, o jornalista Sergio Leo, diretor de Políticas de Imagem e Comunicação da Febraban, resumiu o ex-editor de Primeira Página do GLOBO como “um craque em qualquer lugar do campo":

— O Mineiro, antes de tudo um grande amigo, era um jornalista entusiasmado, que dava prazer em acompanhar na redação. Estudioso, grande conhecedor de História, experiente na política, era provocador, brincalhão, irônico. E levava tremendamente a sério a responsabilidade de produzir notícia. Era um craque em qualquer lugar do campo: editor, repórter, colunista, analista político de grande inteligência. É muito doloroso perder cedo assim uma pessoa com uma conversa tão envolvente, tão amorosa com a família e os amigos, e tão dedicada ao jornalismo.

O presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, Paulo Zocchi, também destacou a importância de Mineiro:

— Era um profissional sério e íntegro, mas ao mesmo tempo bem-humorado, brincalhão, tranquilo e risonho. Mesmo em situações difíceis a gente podia ter certeza de que poderíamos rir da situação e de nós mesmos.

Há duas semanas, Mineiro, de 56 anos, foi internado com pancreatite aguda. Ele morreu após falência múltipla dos órgãos em decorrência da inflamação. O jornalista deixa a viúva, Mara, e dois filhos, Barbara e Álvaro.

O velório será realizado hoje, a partir das 9h, na capela 8 do Memorial do Carmo, no Cemitério do Caju (R. Monsenhor Manuel Gomes nº 287, Caju). A cremação será às 16h, no mesmo local.