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Rock in Rio: 'Não somos a sua banda corriqueira', diz baixista do King Crimson

Lenda do rock progressivo e da música experimental, grupo inglês vem ao Brasil pela primeira vez com turnê na qual comemora seus 50 anos de história
O grupo inglês King Crimson, em sua formação de 2019 Foto: Divulgação
O grupo inglês King Crimson, em sua formação de 2019 Foto: Divulgação

RIO - Não dá para falar em apenas um King Crimson. O grupo, que, entre muitas idas e vindas (todas elas capitaneadas pelo guitarrista inglês Robert Fripp), completou meio século ano passado sem se limitar ao chamado rock progressivo — gênero do qual é fundador e expoente, ao lado de nomes como Yes, Genesis e Emerson, Lake & Palmer. Jazz, pós-punk, heavy metal, folk, música clássica contemporânea, experimentalismos diversos e criações indefiníveis, tudo isso fez (ou ainda faz) parte do som do grupo, que, em sua atual encarnação, encerrará a última noite do Palco Sunset do Rock in Rio, no dia 6 de outubro.

Quase 50 anos depois do lançamento de seu avassalador álbum de estreia, “In the court of the Crimson King” (que será celebrado este ano com uma série de eventos e produtos especiais), o King Crimson enfim fará a sua estreia em terras brasileiras.

Três bateristas

— O King Crimson é realmente uma banda atípica para aqueles que não a conhecem. De muitas formas, somos do rock progressivo, temos formas diferentes de fazer as coisas. Não somos a sua banda de rock corriqueira — avisa, por telefone, o baixista Tony Levin, de 72 anos. — A atual formação tem oito músicos, três dos quais são bateristas e tocam na frente do palco. Eles conseguem dividir suas partes para executar uma música que é bem complicada. Tocamos músicas novas, mas também outras que fazem parte dos 50 anos de história do King Crimson. Ou seja: temos muito material para escolher. E Robert Fripp tenta fazer com que cada show seja um pouco diferente do outro. Só sabemos o que vai acontecer na manhã do dia da apresentação.

Na primeira fase do King Crimson, Tony Levin ainda era um jovem dedicado à música clássica e todo o rock progressivo lhe passou batido — só foi saber um pouco mais do assunto depois que começou a tocar com o ex-vocalista do Genesis Peter Gabriel (aliás, é de Levin a espetacular linha de baixo de “Sledgehammer”, sucesso do cantor). Ele foi convidado por Fripp para o integrar o KC em sua segunda encarnação (a primeira acabara em 1974) e gravou a celebrada tríade de álbuns “Beat” (1981), “Discipline” (1982) e “Three of a perfect pair” (1984).

— Quando entrei para o King Crimson, nos recusávamos a tocar as músicas antigas. Só fui tocá-las poucos anos atrás, quando Robert decidiu que era hora de reler o catálogo da banda — diz o músico, que integrou o KC também entre 1994 e 1998 e de 2013 até agora. — Temos a liberdade de mudar o que quisermos, o que para mim é um desafio, porque as linhas dos outros baixistas do King Crimson são clássicas, maravilhosas. Então, tento recriá-las com o stick ( instrumento elétrico que pode ter 8, 10 ou 12 cordas ) ou com um dos meus contrabaixos estranhos.

O King Crimson, com Robert Fripp (centro), em uma das encarnações dos anos 1970 Foto: Divulgação
O King Crimson, com Robert Fripp (centro), em uma das encarnações dos anos 1970 Foto: Divulgação

A atual formação do King Crimson reúne músicos das mais diferentes origens musicais — especialmente os bateristas: Bill Rieflin tocou com R.E.M. e Ministry, Jeremy Stacey com Sheryl Crow e Echo & The Bunnymen, e Pat Mastelotto com Mr. Mister e o grupo Stick Men (ao lado de Tony Levin, e com o qual veio ao Brasil ano passado).

— E ainda temos músicos de outras encarnações do King Crimson, como o Mel Collins ( saxofonista, membro entre 1971 e 1974, que só voltou recentemente ) — informa o baixista. — Mais do que tudo, é otimo porque todos são grandes músicos. É, ao mesmo tempo, um desafio e um grande prazer. As diferentes origens musicais não importam quando se trata de tocar King Crimson, seja com o material novo ou o antigo. Nós ensaiamos muito e somos, de certa forma, como uma orquestra que toca uma grande variedade de obras num mesmo concerto. Aliás, é por isso que vestimos ternos e gravatas! Mesmo que estejamos nos divertindo e tocando de uma forma meio selvagem, nós somos muito sérios no que fazemos.

Gênio musical de temperamento notoriamente difícil, que optou por manter fora dos serviços de streaming os discos clássicos do King Crimson, Robert Fripp não assusta Tony Levin.

— Somos amigos há muito tempo. E nosso trabalho flui bem porque temos muito respeito um pela música do outro. Se ele sugere uma forma de tocar baixo, eu aceito, porque vem de um músico brilhante — conta. — Sei que ele tem umas excentricidades na relação com o público, mas não com a banda. A música é séria, mas nós não somos. E tem que ser assim para poder funcionar.

O King Crimson em cinco discos

“In the court of the Crimson King” (1969): Um guitarrista como nenhum outro, numa banda que traçava rock pesado, jazz e música sinfônica no café da manhã, um impressionante vocalista-baixista (Greg Lake, mais tarde fundador do Emerson, Lake & Palmer), grandes canções (como “21st century schizoid man”) e uma capa icônica: o rock progressivo dava seus primeiros passos em um disco destinado a virar clássico.

“Larks’ tongues in Aspic” (1973): Com o baixista-vocalista John Wetton e o baterista Bill Brufford (que então acabara de deixar o Yes, achando que não havia mais para onde ir criativamente), Robert Fripp exacerbou seu experimentalismo em um álbum com muita percussão em metal, peso nas guitarras, toques de violino e trombone e flertes com as dissonâncias do free-jazz e a polirritmia da world music.

“Red” (1974): Wetton e Brufford permaneceram com Robert Fripp nesse que foi o último álbum da primeira e mais lendária encarnação do King Crimson. Tem verdadeiros pródígios instrumentais, como “Starless” e a sombria “Red”, mas também uma canção como “Fallen angel”, de rara ourivesaria pop, ornada pela voz do baixista, que nos anos 1980 enfim chegaria ao sucesso à frente do supergrupo Asia.

“Discipline” (1981): A grande reinvenção do King Crimson, feita por Fripp e o baterista Bill Brufford, com dois americanos: o guitarrista e cantor Adrian Belew (que trabalhara com Frank Zappa, David Bowie e Talking Heads) e Tony Levin. A new wave e o funk deixaram sua marca no novo som deste mito do rock progressivo, que ficou mais pop do que nunca, mas com estranheza e perícia instrumental intocados.

“THRAK” (1995): Em plena era do Britpop de Oasis e Blur, os veteranos ingleses — que começavam a ser reconhecidos como influência de novos artistas, do Dream Thether ao Primus — ampliaram literalmente suas investigações: ao quarteto de Fripp, Belew, Levin e Brufford, foram acrescentados outro baterista (Pat Mastelotto) e um tocador de stick (Trey Gunn). É o KC dos anos 1980 recuperando o espírito dos 70.