• Vitória Batistoti*
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Anne Frank (Foto: Reprodução)

Retrato de Anne Frank (Foto: Reprodução)

Um dos maiores receios de um indivíduo que mantém um diário é que o conteúdo dele seja descoberto e venha a público. Assim seria também para a garota alemã judia Anne Frank, que escrevia seus sentimentos e desabafos em um caderno pessoal enquanto vivia os penosos anos da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) junto à sua família.

No entanto, Frank é uma exceção à regra. Com sorte, seu diário foi encontrado, estudado e transmitido ao longo de gerações, impactando o mundo com os relatos inocentes de uma criança vivenciando um período de guerra. É por isso que esse documento se tornou tanto uma fonte histórica para entender a perseguição aos judeus pelo regime nazista alemão (período conhecido por Holocausto), como também como um antro repleto de perseverança e força humana. 

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Devido aos resultados trágicos do Holocausto, Anne Frank não conseguiu crescer e tornar-se uma escritora ou jornalista, tal como sonhava. Contudo, seu legado ficará fincado nas raízes da história enquanto houver humanidade. É por isso que convidamos você a conhecer um pouco mais da trajetória da garota judia, citada abaixo:

Nascimento e infância
Annelies Marie Frank nasceu no dia 12 de junho de 1929 na cidade de Frankfurt, na Alemanha. Mais conhecida como Anne, ela foi a segunda e última filha do casal judaico Otto Frank, administrador de um banco familiar e ex-sargento do exército alemão durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), e Edith Frank-Holländer, filha de um rico empresário. Antes de Anne nascer, a dupla já havia parido a primogênita Margot Frank.

Apesar de religiosa, a família Frank era liberal em diversos aspectos e não seguia todas as tradições e costumes do judaísmo. 

Otto Frank e suas duas filhas, Margot (direita) e Anne (centro) (Foto: Anne Frank Stichting/ Reprodução)

Otto Frank e suas duas filhas, Margot (direita) e Anne (centro) (Foto: Anne Frank Stichting/ Reprodução)

A família possuía uma grande biblioteca em casa e boas condições econômicas. Pode-se dizer que eles pertenciam à classe média abastada e tinham bons recursos para educar as duas meninas. O pai Otto, por exemplo, aficcionado pela área acadêmica, incentivava suas filhas a ler desde pequenas. 

Contudo, apesar da boa vida que os Franks levavam, a partir da década de 1930, o país germânico passou por mudanças sociais e financeiras dramáticas, justamente após a derrota na Primeira Guerra Mundial – derrota essa que foi acompanhada de sanções impostas à Alemanha e condições que humilharam o país por meio do Tratado de Versalhes (1919), assinado pelos países vencedores –, além da crise econômica que assolou a nação internamente. Nesse momento trágico, por exemplo, o banco que Otto administrava foi à falência e a família Frank enfrentou uma certa crise financeira. 

Em termos sociais, a situação na Alemanha era mais complicada para os judeus, já que eles eram culpados pelo fracasso germânico e apontados como a razão pela qual o país não conseguia se reerguer após a guerra. Quem levantava essa bandeira eram os políticos de direita do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP, na sigla em inglês), mais conhecido como Partido Nazista, os quais conseguiram ocupar muitas cadeiras no parlamento federal do país nas eleições de 1932.

Em janeiro de 1933, com a ascensão do líder do partido, Adolf Hitler, ao cargo de chanceler (primeiro-ministro) da Alemanha, o que já estava ruim para os judeus ficou ainda pior. 

"Em 30 de janeiro, por acaso nós fomos convidados para jantar na casa de uns conhecidos nossos. Estávamos sentados à mesa e ouvíamos o rádio. Então, foi noticiado que Hitler havia se tornado chanceler. Depois, surgiu a notícia sobre uma marcha de tochas da SA em Berlim e nós escutamos gritos e aplausos. Hitler terminou seu discurso com as seguintes palavras: 'Me deem quatro anos!'. O nosso anfitrião, em seguida, disse animado: 'Vamos ver o que este homem irá conseguir!'. Fiquei sem palavras e minha esposa, petrificada", relembrou Otto Frank anos mais tarde sobre o episódio.

Os sinais da política antissemita de Hitler logo foram vistos no colégio de Margot e nas outras escolas da Alemanha. Exemplo disso foi a demissão em massa de professores judeus e os insultos e intimidações às crianças judias.

Com o tempo, esses alunos passaram a ser segregados dos alunos não-judeus e foram obrigados a sentar-se em bancos separados dos colegas de sala, além de enfrentarem um declínio em suas notas. Ou seja, ao em vez de receberem pontuações e comentários como “muito bom” ou “bom”, passam a ganhar “suficiente” ou “bom”, respectivamente. Essa era uma forma de mostrar que os judeus eram inferiores e não tão inteligentes quanto os alemães.

Diante a situação, Otto e Edith decidiram tirar Margot da escola e buscar um novo refúgio para a família.

Um recomeço
Em março de 1933, Otto decidiu migrar para Amsterdã, na Holanda, a fim de implementar uma filial da Opekta, empresa que administrava e que vendia produtos para fazer geleias. Nesse mesmo momento, Edith e as filhas ficaram na casa da avó materna, na cidade alemã de Aachen, enquanto a família não encontra uma casa para se estabelecer na Holanda.

Nos anos seguintes, Anne viria a escrever em seu diário sobre a migração da família: "Por sermos judeus, o meu pai emigrou para a Holanda em 1933, quando se tornou diretor-geral de Companhia Opekta Holandesa, que fabrica produtos usados na fabricação de compotas."

Finalmente, no início de 1934, após achar um novo lar, todos os Franks migram para Amsterdã e tudo parecia seguro e feliz mais uma vez. As meninas voltaram a frequentar a escola, Otto conseguia operar seu negócio e Edith tomava conta do lar.

Anne Frank (atrás, ao centro, de vestido branco) com sua turma da sexta série da Escola Montessori, em Amsterdã (Foto: Anne Frank Fonds, Bazel / Anne Frank Stichting, Amsterdam)

Anne Frank (atrás, ao centro, de vestido branco) com sua turma da sexta série da Escola Montessori, em Amsterdã (Foto: Anne Frank Fonds, Bazel / Anne Frank Stichting, Amsterdam)



Margot e Anne fizeram muitos amigos holandeses e alemães na nova cidade. Muitos de seus vizinhos eram judeus que fugiram da Alemanha pela mesma razão que os Franks.

Anne (à esquerda) e Margot (segunda à direita) brincam com crianças judias alemãs (Foto: United States Holocaust Memorial Museum | courtesy of Penny Boyer)

Anne (à esquerda) e Margot (segunda à direita) brincam com crianças judias alemãs (Foto: United States Holocaust Memorial Museum/ cortesia de Penny Boyer)

Em 1938, Otto abriu sua segunda empresa, Pectacon, que comercializava ervas, sais e temperos para a produção de carnes. Foi trabalhando nesse ramo que ele conheceu o também judeu alemão Hermann van Pels, que migrou da Alemanha para a Holanda com sua família fugindo do regime nazista. 

Hermann trabalhava como açougueiro e acabou virando sócio de Otto nas empresas Opekta e Pectaton. 

O inimigo retorna
Mesmo fora da Alemanha, a família Frank acompanhava o que estava acontecendo em sua terra natal por meio de relatos de amigos que ficaram por lá.

As notícias não eram boas: a repressão contra os judeus estava ainda maior. O antissemitismo era tanto que passou a ser proibido o casamento entre judeus e não-judeus e que judeus tivessem seus próprios negócios.

Em 9 novembro de 1938, uma onda nazi saiu pelas ruas destruindo sinagogas e lojas judias e prendendo homens judeus. O episódio ficou conhecido por Noite dos Cristais.

Além das ofensivas nacionais contra os judeus (e também comunistas e outras minorias), a Alemanha nazista empreendeu outras tantas para anexar regiões da Áustria, Praga e Checoslováquia em seu território.

Em setembro de 1939, o exército alemão atacou a Polônia e assim iniciou a Segunda Guerra Mundial.

Na primeira metade do ano seguinte, o próximo passo do regime de Hitler foi o de dominar a Europa Ocidental, e assim acabou invadindo a Bélgica, a França e chegou até a Holanda, país que estava abrigando muitos refugiados judeus, tal como os Franks. 

Conforme a Alemanha ia ampliando seus domínios e propagando sua política nazista por onde passava, muitos judeus refugiados em outros países viveram momentos de temor.

Anne viria a escrever o episódio em seu diário no futuro: "Depois de maio de 1940, os bons momentos foram poucos e muito espaçados: primeiro veio a guerra, depois a capitulação, em seguida, a chegada dos alemães, e foi então que começaram os sofrimentos dos judeus".

Anne Frank com sua professora e duas colegas da sexta série da Escola Montessori, em Amsterdã, em 1940 (Foto: Photo collection Anne Frank Stichting, Amsterdam)

Anne Frank com sua professora e duas colegas da sexta série da Escola Montessori, em Amsterdã, em 1940 (Foto: Photo collection Anne Frank Stichting, Amsterdam)

Duras medidas
A partir de outubro de 1940, o regime nazista implementou um pacote de medidas antissemitas nos países que havia dominado. Por exemplo, passou a ser proibido que uma empresa fosse administrada por um judeu. A nova lei obrigava que todas elas fossem registradas e passassem por um processo de “arianização”.

Como medida preventiva de perder seu negócio, Otto Frank, diretor à frente da Opekta e da Pectacon, colocou suas empresas no nome de dois colegas não-judeus, mas continuava administrando-os às escondidas.

Em 1941, Margot e Anne foram obrigadas a frequentar um colégio somente para crianças judias e essa foi a primeira vez que elas estudaram em uma mesma instituição.

Anne Frank (à esquerda) e três amigas no verão de 1941 (Foto: Photo collection Anne Frank Stichting, Amsterdam)

Anne Frank (à esquerda) e três amigas no verão de 1941 (Foto: Photo collection Anne Frank Stichting, Amsterdam)

No ano seguinte, os judeus foram submetidos a utilizar uma estrela amarela costurada em suas roupas, na qual lia-se a palavra “judeu”.

Também em 1942, em 12 de junho, Anne completou13 anos e ganhou um diário de aniversário. Esse caderno tornou-se seu documento pessoal e no qual ela viria a narrar os próximos anos de sua vida.

Contemporâneo àquele momento específico, Anne escreveu os decretos antissemitas que estavam limitado a liberdade dos judeus:

"A nossa liberdade foi serveramente restringida através de uma série de decretos antissemitas: os judeus foram obrigados a ter uma estrela amarela na sua roupa; os judeus foram obrigados a entregar as suas bicicletas; os judeus foram proibidos de andar de elétrico; os judeus foram proibidos de andar de carro, mesmo no seu próprio; os judeus foram obrigados a fazer as suas compras entre as 15:00h e as 17:00h; os judeus foram obrigados a ir unicamente a cabeleireiros ou salões de estética que fossem judeus; os judeus foram proibidos de andar na rua entre as 20:00h e as 6:00h da manhã; os judeus foram proibidos de ir ao teatro, cinema e a qualquer outro espetáculo; os judeus foram proibidos de ir a piscinas, campos de ténis, hoquei ou qualquer outro recinto desportivo; os judeus foram proibidos de ir remar; os judeus foram proibidos de participar em qualquer atividade desportiva pública; os judeus foram proibidos de se sentar/estar nos seus jardins ou dos seus amigos depois das 20:00h; os judeus foram proibidos de visitar cristãos nas suas casas; os judeus foram obrigados a frequentar escolas judias, etc."

Primeira página do diário que Anne Frank ganhou em seu aniversário, em 12 de junho de 1942 (Foto: Photo collection Anne Frank Stichting, Amsterdam)

Primeira página do diário que Anne Frank ganhou em seu aniversário, em 12 de junho de 1942 (Foto: Photo collection Anne Frank Stichting, Amsterdam)

Diante do momento aterrorizador, a família tentou deixar a Holanda e emigrar para a Inglaterra e até para os Estados Unidos, mas nenhum plano deu certo. O perigo era eminente.

Tudo ficou ainda mais assustador em 5 de julho de 1942, quando a filha mais velha, Margot, foi convocada pelo governo alemão a trabalhar em um campo de concentração.

No dia seguinte, 6, a família já tinha tudo preparado para iniciar uma nova fase e se proteger do regime nazista: um esconderijo apelidado de Anexo Secreto. Ali, os Franks (e também os van Pels, família de Hermann, sócio de Otto) viveriam até que que fossem descobertos pelos nazistas.

O novo rumo fez com que Anne desabafasse em seu diário: "A minha descontraída alegria, e os despreocupados dias de escola foram-se para sempre."

O refúgio
O Anexo Secreto foi um espaço criado em uma parte desativada do antigo escritório de Otto. O esconderijo ficava na parte detrás do escritório, mais especificamente atrás de uma estante móvel, que servia como porta disfarçada para esconder o refúgio das duas famílias.

A estante móvel, que esconde a porta para o Anexo Secreto (Foto: Anne Frank Stichting)

A estante móvel, que esconde a porta para o Anexo Secreto (Foto: Anne Frank Stichting)

Por detrás da “porta”, havia três andares, os quais eram preenchidos com quartos pequenos, um banheiro e uma sala comunitária. O espaço era dividido entre a família Frank (Otto, Edith, Margot e Anne) e a família van Pels (o sócio de Otto, Hermann, sua esposa, Auguste, e seu filho, Peter), além de dentista amigo das duas famílias, Fritz Pfeffer.

Como medida de proteção, nenhum dos oito moradores poderia deixar o Anexo, de forma que quem levava mantimentos, alimentos e roupas aos judeus escondidos eram quatro empregados de confiança de Otto: Miep Gies, Johannes Kleiman, Victor Kugler e Bep Voskuijl.

"Não poder sair me deixa mais chateada do que posso dizer, e me sinto aterrorizada com a possibilidade de nosso esconderijo ser descoberto e sermos mortos a tiros", escreveu Anne, uma vez já alojada no Anexo Secreto.

Para chegar ali sem levantar suspeitas, os Franks deixaram sua casa pela manhã do dia 6 de julho em um estado de caos para parecer que haviam fugido com pressa, além de um bilhete sugerindo que haviam migrado para a Suíça.

Nenhum dos moradores imaginava que passariam tanto tempo escondidos no Anexo Secreto. Mais precisamente, dois anos e um mês.

Quarto de Anne e do dentista Pfeffer no Anexo Secreto (Foto: Anne Frank Werkstukwijzer)

Quarto de Anne e do dentista Pfeffer no Anexo Secreto, o qual foi reconstruído e está aberto à visitas no museu Casa de Anne Frank, em Amsterdã (Foto: Anne Frank Werkstukwijzer)

Considerando que nunca podiam sair dali, que o espaço era pequeno para oito moradores, e que qualquer barulho ou movimento poderia despertar a curiosidade da vizinhança, eles deveriam se manter silenciosos, quietos e parados.

Para Anne, isso tudo era particularmente muito difícil. Mesmo que ela tivesse ficado empolgada no início com a ideia de compartilhar o espaço com a família van Pels e dividir seu quarto com o dentista Pfeffer, ela logo começou a ficar incomodada em não poder rever seu amigos da escola e sair.

"A minha mente treme com as profanidades que esta casa teve de suportar no último mês. [...] Para dizer a verdade, por vezes esqueço-me com é que estamos aborrecidos e com quem não estamos. A única forma de tirar esta situação da cabeça é estudar, e ultimamente tenho estudado muito”, escreveu a garota.

O que lhe garantia conforto era a possibilidade de escrever seus pensamentos e sentimentos em seu diário. Ele é uma ajuda para driblar toda aquela situação, tal como relata no trecho: “A melhor parte é poder escrever todos os meus pensamentos e sentimentos, caso contrário estaria totalmente sufocada.”

O período no Anexo Secreto também marcou o primeiro amor de Anne. Foi ali que a garota começou a se relacionar com Peter van Pels, filho do sócio de seu pai. E em Peter que Anne dá seu primeiro beijo:

Peter van Pels (Foto: Photo collection Anne Frank Stichting, Amsterdam)

Peter van Pels (Foto: Photo collection Anne Frank Stichting, Amsterdam)

“Você acha que papai e mamãe aprovariam uma garota da minha idade sentada num divã e beijando um rapaz de dezessete anos e meio? Duvido que aprovassem, mas tenho de confiar em meu próprio julgamento nessa questão. É tão pacífico e seguro ficar em seus braços e sonhar, é tão emocionante sentir seu rosto encostado no meu, é tão maravilhoso saber que há alguém esperando por mim!”

Uma esperança
Os oito refugiados ficavam sabendo das notícias e sobre os resultados da Segunda Guerra Mundial pelos protetores do Anexo, além de poderem ouvir ao rádio certas vezes. 

Em junho de 1944, a informação de que os Aliados iriam desembarcar nas praias da Normandia, na França, os deixou esperançosos por uma rendição da Alemanha. Todos eles aguardavam por esse resultado. Otto até tinha pendurado um mapa da Normandia em sua parede e marcava com tachinhas a movimentação das forças aliadas.

"Será que este ano, 1944, nos trará a vitória? Ainda não sabemos. Mas onde há vida, há esperança, e esta enche-nos de nova coragem e torna-nos novamente fortes. Vamos precisar de ser corajosos para suportar os muitos medos, dificuldades e sofrimento que ainda estão para vir”, escreveu Anne em seu diário.

Os nazistas batem à porta
Segundo a Fundação da Casa Anne Frank, aproximadamente 25 mil judeus se esconderam em abrigos secretos durante o período da Segunda Guerra Mundial. Deste montante, 8 mil foram descobertos – entre eles os Franks, os van Pels e o dentista Pfeffer. 

Pois em 4 de agosto de 1944, o Anexo Secreto foi descoberto por investigadores do governo nazista, especificamente por funcionários que vasculharam o espaço e acharam o esconderijo.

Os oito moradores foram pegos desprevenidos, e, muito assustados, são escoltados para fora do Anexo, obrigados a adentrar em um caminhão e encaminhados para um centro de detenção.

Nessa correria, as páginas do diário de Anne ficaram caídas ao chão e deixadas para atrás. Quem as recolheu foram as protetoras dos judeus, Miep Gies e Bep Voskuijl, as únicas que não enviadas à prisão.

Uma vez interrogados pela polícia, os judeus chegam a ser deportados para trabalhar no campo de Westerbork, onde executam a tarefa insalubre de partir baterias.

Eles não ficaram por ali por muito tempo, já que o campo de Westerbrok era mais uma área de passagem. Em 3 de setembro de 1944, os oito partiram em um comboio com destino ao campo de Auschwitz, na Polônia.

Oficiais alemães na plataforma do campo de transição de Westerbrok perto de um comboio que está prestes a partir (Foto: Anne Frank Org)

Oficiais alemães na plataforma do campo de transição de Westerbrok perto de um comboio que está prestes a partir (Foto: Anne Frank Org)

Auschwitz, separação e morte
Ao chegar ao campo de concentração, os homens e mulheres foram separados. Essa foi, então, a última vez que Otto viu sua esposa, Edith, e suas filhas, Margot e Anne.

Todos os prisioneiros ganharam números tatuados em seus braços e tiveram suas cabeças raspadas. Eles também receberam roupas de trabalho, pois não podiam utilizar as suas próprias.

Otto, Hermann, Peter e o dentista, Pfeffer, conseguiramficar juntos, mas não por muito tempo.

Hermann logo é tido como doente, ainda em 1944, e encaminhado à câmera de gás.
Em seguida, Pfeffer é deportado para o campo de concentração Neuengamme, na Alemanha, onde morre por escassez de alimento e cansaço pós execução de trabalho pesado.

Situação semelhante aconteceu com Peter, que foi levado ao campo de Mautahausen, na Áustria, e morreu de exaustão e cansaço em 1945.

Otto foi o único dos homens a sobreviver. Em 27 de janeiro de 1945, os soldados russos chegaram à Auschwitz e libertaram mais de 7 mil prisioneiros, entre eles, o patriarca Frank.

As mulheres não tiveram nenhum pouco de sorte. Apesar de Edith, Margot e Anne conseguirem ficar juntas em Auschwitz (Auguste foi encaminhada para uma parte diferente do campo e depois transportada ao campo de Theresienstadt, em 1945, onde morreu assassinada) em novembro de 1944, as duas filhas Frank foram enviadas ao campo de concentração de Bergen-Belsen, na Alemanha.

Campo de concentração de Bergen-Belsen (Foto: Anne Frank Org)

Campo de concentração de Bergen-Belsen (Foto: Anne Frank Org)

Edith ficou sozinha, adoeceu e morreu morre no início de janeiro de 1945. Já Margot e Anne chegaram ao novo destino e trabalharam juntas, mas as condições ali eram ainda piores do que Auschwitz. O frio era insuportável, não havia alimento, e o tifo, doença bacteriana, já tinha se tornado uma epidemia entre as prisioneiras.

Diante a situação, Margot e Anne ficam doentes e morrem apenas uma semana antes do campo ser libertado pelos aliados.

Fim da guerra e a descoberta do diário
Otto Frank foi o único dos oito prisioneiros que conseguiu sobreviver ao campo de concentração e à perseguição aos judeus do governo nazista.

Ao ser libertado de Auschwitz e com o fim da Segunda Guerra Mundial e consequente derrota de Hitler, Otto retornou à Amsterdã e tentou descobrir o paradeiro de suas filhas e esposa. Interrogou sobreviventes, conversou com seus antigos protetores e conheceu testemunhas que presenciaram as mortes de sua esposa e de Anne e Margot.

Após a notícia, uma das antigas protetoras do Anexo Secreto, Miep, decidiu entregar a Otto as folhas que havia coletado do diário de Anne. Em setembro de 1945, ele começou a ler os relatos de sua filha e sentiu que havia muito dela que desconhecia até então.

"Comecei a ler lentamente, poucas páginas cada dia, mais teria sido impossível, uma vez que eu estava dominado por memórias dolorosas. Para mim foi uma revelação. Ali se revelou uma Anne completamente diferente da criança que eu perdi. Eu não tinha ideia da profundidade dos seus pensamentos e sentimentos”, relembra Otto.

Publicação das memórias de Anne
Nas páginas escritas pela menina, Otto percebeu o desejo da filha em tornar-se uma escritora e em publicar um livro após o final da guerra, informando a leitores de todo o mundo sobre o tempo que passou vivendo no Anexo Secreto. Anne havia até reescrito grande parte do diário havia sido, tal como uma edição do conteúdo original.

Após pensar um pouco, Otto decidiu realizar o desejo da filha. Apesar de ter dificuldades de início em achar alguma editora interessada no conteúdo, após um artigo de um historiador holandês, Otto conseguiu conquistar a atenção de uma editora em Amsterdã e publicar o livro em junho de 1947, com algumas edições. Por exemplo, foram removidas páginas em que Anne discorria sobre sexualidade e tecia críticas à sua mãe.

Com o tempo, outras editoras foram se interessando pela história e publicaram o diário em outros idiomas. Hoje, o livro está disponível em 70 idiomas.

Primeira edição do Diário de Anne Frank, publicada na Holanda, em 1947 (Foto: Anne Frank Org)

Primeira edição do Diário de Anne Frank, publicada na Holanda, em 1947 (Foto: Anne Frank Org)

As páginas secretas
Durante mais de sete décadas, duas páginas do diário permaneceram como um mistério para pesquisadores, visto que eram relatos cobertos com papel pardo.

Após análises, os estudiosos concluiram que o conteúdo revela uma faceta de Anne amadurecida.

Em um dos trechos revelados, por exemplo, a garota explica o que aprendeu sobre menstruação: "é um sinal de que a mulher está pronta para ter relações com um homem, mas não se faz isso, é claro, antes de se casar". Em outra parte, ela comenta sobre a prostituição, dizendo que homens têm relações com mulheres que abordam nas ruas e que “em Paris, eles têm grandes casas para isso”, escreve, inocentemente.

Impacto mundial
Desde a primeira publicação até os dias atuais, os relatos de Anne Frank inspiraram gerações e até figuras públicas muito populares.

Em 1994, a política Hillary Clinton, dos EUA, comentou que o diário de Anne Frank tem o poder de "despertar-nos para a loucura da indiferença e do terrível pedágio que afeta os jovens".

O líder político Nelson Mandela, da África do Sul, disse que leu a obra durante seus anos na prisão, enquanto empreendia esforços contra o apartheid, e traçou paralelo entre sua luta e a de Frank: "Porque essas crenças são patentemente falsas, e porque elas foram, e sempre serão, desafiadas pelos gostos de [Anne Frank]. Estarão condenadas ao fracasso".

Em 1961, o então presidente dos Estados Unidos, John F. Kennedy, discursou: "De todas as multidões que, ao longo da história, têm falado pela dignidade humana em tempos de grande sofrimento e perda, nenhuma voz é mais convincente do que a de Anne."

Fundação Casa de Anne Frank
Hoje, a história de Anne Frank e sua família pode ser revisitada no museu Casa de Anne Frank, em Amsterdã. O edifício está situado no mesmo local em que funcionava o Anexo Secreto.

Fundação Casa de Anne Frank (Foto: Wikicommus)

Fundação Casa de Anne Frank (Foto: Wikicommus)

É possível fazer um tour virtual pelo espaço e, a partir de uma reconstituição, conhecer como foi o período no esconderijo.

Com informações de Anne Frank Fonds, Anne Frank.org e Anne Frank Guide.

*Com supervisão de Thiago Tanji