Por Murillo Velasco, G1 GO


Sobreviventes dos tiros dentro de sala de aula do Colégio Goyases, em Goiânia — Foto: Arquivo Pesssoal e TV Anhanguera

Um ano depois do dia 20 de outubro de 2017, sobreviventes falam em “trauma eterno” após um adolescente de 14 anos matou 2 colegas de sala e baleou outros 4 alunos, dentro do Colégio Goyases, em Goiânia. Hoje, uma delas está paraplégica, outra precisou se mudar para os Estados Unidos, e apenas uma continuou na mesma escola. Todos têm um ponto em comum: estudar para realizar sonhos e aprender a conviver com a dor.

“Todos os dias eu lembro daquela cena horrível, não tem um dia sequer em que eu acordo e não me lembro o que aconteceu. Eu me vejo no chão, caída, deitada, e vejo o atirador andando de um lado para o outro com a arma na mão”, Isadora de Morais, de 14 anos, que ficou paraplégica após um dos disparos ferir a coluna dela.

“Falar sobre isso me ajuda a dividir o peso disto tudo, mas esquecer vai ser impossível. É um trauma eterno”, afirmou.

O diretor da escola, Luciano Rizzo, disse que a assessoria jurídica da escola é que iria se posicionar sobre o caso.

O escritório do advogado Eney Curado Brom Filho, responsável pela escola, informou, por meio de nota, que "passado um ano do incidente, o Colégio está, assim como todos os envolvidos no evento, retomando suas atividades e dando continuidade aos seus objetivos, que são educar e contribuir para formação daqueles que fazem parte da família Goyases". Ainda de acordo com o texto, "a escola se solidariza com todos que sofreram com o ato" e que "sofreu e vem sofrendo com as perdas" decorrentes do incidente.

A manhã do dia 20 de outubro de 2017 chegava ao fim quando, por volta das 11h50, os estudantes do 8º ano do ensino fundamental do Colégio Goyases, no Jardim Riviera, estavam no intervalo entre duas aulas. Alguns conversavam, outros caminhavam, quando um dos alunos, de 14 anos, sacou uma pistola .40 da mochila e disparou contra a sala, atingindo seis colegas. Quando ele se preparava para recarregar a arma, foi convencido pela coordenadora da unidade a travar o revólver.

Os estudantes João Vitor Gomes e João Pedro Calembo, ambos de 13 anos, morreram no local. Já outros quatro alunos: Hyago Marques, na época com 13 anos, Isadora de Morais, também com 13, Lara Fleury Borges, 14 e Marcela Macedo, 13, foram baleados, socorridos e levados para hospitais de Goiânia. Isadora, a ferida mais grave, ficou paraplégica e só recebeu alta quase 2 meses depois.

João Pedro Calembo (à esquerda) e João Vitor Gomes morrem após tiros em escola de Goiânia, Goiás — Foto: Reprodução/ TV Anhanguera

Segundo o delegado Luiz Gonzaga Júnior, que acompanhou o caso até o fim, o autor dos tiros disse que sofria bullying de um colega e, inspirado em massacres como o de Columbine, nos Estados Unidos, e de Realengo, no Rio de Janeiro, decidiu cometer o crime.

O menor foi apreendido logo após os tiros. Trata-se do filho de um casal de policiais que pegou a arma da mãe em casa e a levou para a escola. Ele foi condenado a 3 anos de internação e, segundo a advogada da família, Rosângela Magalhães, permanece em um Centro de Internação.

“Ele recebeu como sentença a mais grave das medidas socioeducativas, a internação pelo período máximo de 3 anos. Na época da sentença, não recorremos, porque achávamos que não era o momento. Ele corre risco estando internado, corre risco estando em liberdade, é uma situação delicada”.

“Quando a gente achar conveniente vamos entrar com alguma medida, mas, por enquanto, ele continua internado, recebendo visitas semanais da família e está estudando regularmente”, disse a advogada ao G1.

O Tribunal de Justiça de Goiás informou em nota ao G1 que o caso corre em segredo de Justiça e que o órgão não pode se pronunciar ou divulgar informações sobre o caso.

Colégio Goyases, um ano depois de um aluno matar 2 colegas dentro de sala de aula, em Goiânia — Foto: Murillo Velasco/G1

Renascimento

Os 12 meses se passaram lentos para os quatro adolescentes que foram baleados. Isadora, Marcela, Lara e Hyago não estão mais juntos diariamente, já que estudam em lugares diferentes. No entanto, vivem cotidianamente a dor de terem visto dois amigos, colegas de sala, serem assassinados. Eles afirmam que não se esquecem “um dia sequer” dos momentos de terror e contaram o que estão fazendo para seguir a vida, revelando os seus sonhos: virar médica, publicitária, ser feliz.

Isadora de Morais

Isadora de Morais ficou paraplégica após ser baleada dentro de Colégio em Goiânia, Goiás — Foto: Reprodução/TV Anhanguera

Isadora hoje estuda em outra escola. Depois de ser baleada, ficou 54 dias internada e recebeu alta em 13 de dezembro do ano passado. Ela ficou paraplégica e, desde então, faz terapia duas vezes por semana na unidade. Agora, ganhou também um tratamento em São Paulo, e a família arrecada fundos para tentar bancar as passagens aéreas.

“Meus amigos e minha família e até gente que eu nem conheço são as pessoas que me dão forças. Eu estou recebendo muita ajuda graças a Deus e, devagarinho, estou me adaptando à cadeira de rodas. Eu sinto muita dor, as dores estão no corpo 24 horas por dia, mas, de pouco em pouco, a gente vai aprendendo a lidar. O que me deixa indignada é que eu estudei em um colégio por 10 anos, fiquei nesta situação e não recebi nenhuma ajuda”, desabafou.

A adolescente conta que quer continuar estudando e vai se dedicar para estudar comunicação social.

“Eu sempre quis estudar comunicação, é o meu grande sonho. Acredito que farei publicidade e propaganda para aprender a conviver com esta dor, que é muito forte. Mas eu fiquei muito feliz em saber que tanta gente está se preocupando comigo e me quer bem”, disse.

Lara Fleury

Lara Fleury é uma das sobreviventes ao atentado no Colégio Goyases, em Goiânia, Goiás — Foto: Arquivo Pessoal/Laura Fleury

Após o atentado, os quatro sobreviventes, à medida em que foram recebendo alta médica, retornaram às aulas na mesma escola. No entanto, em 2018, quando começaram a cursar o 9º ano, Lara foi a única a continuar no Colégio Goyases. Aos 15 anos de idade, ela afirma que não tinha forças para ir para outro lugar, senão aquele onde os amigos dela, que passaram pelo mesmo momento triste, estavam.

“Eu não quis sair lá da escola depois do que ocorreu, porque foi a primeira escola em que estudei na minha vida. Como só vai até o 9º ano eu quis ficar lá este ano e encerrar o ciclo. Um novo colégio depois de tudo que ocorreu ia ser um baque maior. A gente tenta evitar o assunto, mas querendo ou não vem lembranças, foi o dia de maior pânico e desespero”.

“Não é fácil superar. O que eu busquei para superar tudo isso foi a ajuda da minha mãe, dos amigos. Na escola eu tentava focar apenas nos estudos, senão eu não conseguiria“, disse Lara.

Ela relembra do tanto que era próxima de João Vitor e João Pedro, mortos pelo colega de sala. Agora, ela se agarra no sonho de se tornar médica para aprender a seguir a vida. Após ser baleada, ela ficou 5 dias internada.

“Foi difícil para mim porque eu e o João Vitor, juntos, éramos quem tinham notas maiores, a gente meio que competia quem tirava melhores notas. Minha relação com ele era de escola, de estudo. Já com o João Pedro era de amizade, porque ele era muito alegre e brincalhão, não tinha como não ser amigo dele”.

“Aceitar a perda dos dois e ter que seguir é muito complicado. Mas temos que seguir. Meu sonho é fazer medicina, e vou realizá-lo”, afirmou.

Marcela Macedo

Marcela Macedo se mudou para os EUA depois de ser baleada no Colégio Goyases, em Goiânia, Goiás — Foto: Arquivo Pessoal/Marcela Macedo

Dos sobreviventes, Marcela é a única que atualmente não mora no país. Ela se mudou para os Estados Unidos, onde estuda e respira novos ares para esquecer a tragédia. A adolescente foi baleada no pulmão e ficou 14 dias internada, sendo submetida, neste período, a uma cirurgia para drenagem pleural.

Agora, ela afirma que busca encontrar a paz, mesmo se lembrando sempre do que ocorreu. “Passei bem, procurei esquecer um pouco, me restabelecer para que eu pudesse viver em paz. Tem momentos que me lembro, e me dá um calafrio, uma tristeza, mas Deus me dá forças”.

“O que me vem muito à cabeça são os barulhos dos disparos assim que eu fui atingida. E, depois, meu pai comigo nos braços. É o que eu mais me lembro, frequentemente”, revelou.

Assim como a colega Lara, Marcela sonha em ser médica e está focada nos estudos. “Escolhi seguir a medicina como profissão, que é consistentemente o meu maior sonho desde pequena”, disse.

Hyago Marques

Hyago Marques, de 13 anos, baleado durante ataque em colégio de Goiânia — Foto: Giovanna Dourado/TV Anhanguera

Hyago havia acabado de entrar na sala de aula quando viu o colega atirando contra João Pedro. O autor dos tiros em seguida atirou contra ele, que perdeu a força das pernas e caiu no chão, sem perceber que havia sido baleado. Depois, ele conseguiu se arrastar até a sala vizinha e, só então, compreendeu o que tinha ocorrido.

Por telefone ao G1, a família do estudante disse que Hyago está bem. No entanto, informou que o adolescente, hoje com 14 anos de idade, não se sente confortável para voltar a falar sobre o caso.

Ele foi o primeiro, dos quatro baleados, a receber alta, depois de dois dias no Hospital de Urgências de Goiânia (Hugo). Hyago ficou com uma bala alojada na coluna perto do coração, que não deve ser removida, porque seria uma cirurgia de risco e, no local, não atrapalha a movimentação dele.

— Foto: Arte/ G1

Veja outras notícias da região no G1 Goiás.

Deseja receber as notícias mais importantes em tempo real? Ative as notificações do G1!
Mais do G1