Edição de Sábado: O que querem os manifestantes violentos do mundo?

No Brasil, em 2013, tudo começou pelo aumento de 20 centavos nas passagens dos ônibus paulistanos. Na França de 2018, por um novo imposto sobre o carbono no combustível. Os protestos dos gilets jaunes, os coletes amarelos, lá como cá geram mais confusão do que trazem clareza. Como aqui, foram pacíficos, se tornaram violentos. Assim como nossa Greve dos Caminhoneiros, dentre suas principais marcas lá está a interdição de estradas. “Não bloqueiam a produção como as greves”, observou Thomas Coutrot, um economista francês entrevistado pela Radio France. “Bloqueiam a circulação de mercadorias, e os efeitos são similares: paralisam a economia.” E, exatamente como no Brasil, um dos principais debates é sobre o perfil ideológico exato do movimento. “As categorias de esquerda ou direita não dão conta das emergentes ondas contenciosas”, observou num artigo a antropóloga Rosana Pinheiro-Machado. A chave para a compreensão deste novo tipo de protesto, além de suas pautas, pode estar no trabalho de um intelectual específico: o britânico Guy Standing, ex-diretor de Securidade Sócio-Econômica da Organização Mundial do Trabalho.

Aos 70 anos, com aquele vestir-se ligeiramente deselegante da academia britânica, Standing é daqueles homens de esquerda que ainda fala de ‘neoliberalismo’. Mas, num livro que publicou em 2011, definiu com clareza pela primeira vez a existência de uma nova classe social: batizou-a precariado. É um grupo grande dentro das sociedades contemporâneas, e que escapa às definições das classes do período industrial, até hoje adotadas no vocabulário da esquerda tradicional — proletariado, pequena e alta burguesias. É o precariado que foi às ruas, no Brasil, em 2013 e na Greve dos Caminhoneiros. É ele que está nas ruas francesas. Ao compreender este novo grupo, o que parecia um apanhado caótico de reivindicações nem à esquerda, nem à direita, ganha finalmente sentido.

A principal característica do precariado é a insegurança. Começa pelo trabalho: são pessoas que exercem funções temporárias, ou são remunerados de serviço em serviço no estilo Uber, em alguns casos a contratação é informal. No geral, para conseguir trabalho pago precisam buscar muito. Trabalha-se para poder trabalhar. Há também insegurança nos direitos. Porque muitas das características de seu sustento pertencem ao século 21 e a malha de seguridade social é do século 20, estão mal cobertos pelo Estado e não têm aquilo que empregos formais garantem. Nem sempre têm previdência, quase nunca há férias ou seguro de saúde. O resultado é que se gasta muito tempo para ganhar pouco, e a angústia com riscos é imensa. Uma doença de um mês é uma dívida que se forma. No precariado, o convívio com dívidas é constante. No fim, quem está no precariado não tem uma narrativa própria de vida, a história que contamos para nós mesmos e nos define: uma carreira na qual se avança, uma expectativa de futuro, projetos, itens fundamentais para um senso de identidade na sociedade em que vivemos.

No conjunto, porém, o precariado não é uma classe no sentido marxista da palavra, de um grupo que compartilha das mesmas condições sócio-econômicas-culturais. Para alguns comentaristas, é mais uma condição social do que uma classe. Para Standing, é uma classe em formação, que está se consolidando para além de um estágio circunstancial de vida e se tornando permanente para cada vez mais pessoas. Hoje ainda é formado por três grupos distintos, que ele descreve em um artigo publicado no site do Fórum Econômico Mundial.

1. Atavistas. Seus pais foram operários. Não chegaram a ser pobres, estavam ali no primeiro degrau da classe média. Os filhos, como os pais, são medianamente educados. Só que não existem mais os empregos seguros que a geração anterior ocupava. Estes, que sonharam com trabalho na indústria, viram plantas fechando e robôs os substituindo, são particularmente sensíveis ao populismo de direita.

2. Nostálgicos. Mais comuns na Europa e EUA do que no Brasil, são ou migrantes ou pertencem a minorias étnicas. Não se sentem parte das sociedades em que vivem e com frequência têm nostalgia de lugares que talvez jamais tenham conhecido. Quase sempre não se metem em política, se acostumaram a andar de cabeça baixa. Aqui e ali, de vez em quando explodem em raiva. Foi assim em Paris, em 2005.

3. Progressistas. Têm formação superior e se criaram acreditando que teriam uma carreira ordenada, além de vida solidamente fincada na classe média. Mas não encontram emprego ao deixar a universidade. É comum, quando se formam em cursos particulares, que tenham dívidas grandes. Rejeitam tanto as antigas ideias conservadoras quanto as socialdemocratas, estão em busca de algo diferente. Mas nenhum grupo político lhes oferece isso.

A descrição feita pelo economista, hoje professor na Universidade de Londres, é um bocado europeizada, mas não é difícil reconhecer grupos similares no Brasil. Justamente porque este precariado é tão heterogêneo em sua formação, suas manifestações geram uma gama de reivindicações confusas, que ora parecem de esquerda, ora de direita. O que os une são as angústias de vidas parecidas.

Ao definir esta nova classe em formação, Standing sugere também a solução que enxerga. “Historicamente, todo impulso transformador foi propelido pelas demandas de uma classe de massas emergente”, afirma. Assim como da pressão de operários nasceu uma gama de direitos entre os anos 1930 e 50, para ele a economia terá de se reorganizar para trazer de volta equilíbrio à sociedade.

A reorganização feita naquele período entre guerras, ao criar direitos e reequilibrar o sistema capitalista, aumentou as classes médias e produziu várias décadas de crescimento. Mas não foi um processo suave. Porque democracias congelaram sem saber o que fazer, abriu-se o flanco para movimentos radicais que diziam ter a solução. É o surgimento de fascismo e comunismo.

E qual é a solução? Neste ponto, o discurso de esquerda do professor Guy Standing se encontra com o de liberais do Vale do Silício como Bill Gates, Elon Musk e Mark Zuckerberg: um programa de renda mínima universal.

Um programa assim exige repensar a lógica tributária. Ao invés de taxar renda e consumo, deveria se taxar o uso dos commons — aquilo que pertence à natureza e à sociedade, o que é comum a todos. Neste sentido, um imposto ecológico sobre o combustível, como o proposto pelo governo de Emmanuel Macron, faz todo sentido. Quem queima combustível e joga carbono na atmosfera está desgastando um bem comum a todos. O uso de água em excesso, o uso dos dados pessoais que pertencem à comunidade, o direito a uma reserva de mercado para uma propriedade intelectual, o uso da terra. Quem se beneficia de algo que pertence à natureza ou de uma licença concedida pela sociedade paga um imposto. Haverá muitas empresas construindo riquezas imensas empregando pouca gente. O Vale do Silício é assim.

Um naco deste dinheiro, no conceito de Standing, serviria à alimentação de um fundo soberano que deverá ser regido conforme as regras do mercado e com gestão independente dos governos do momento.

Se o processo de automação que acompanha as mudanças tecnológicas produz mais riqueza e diminui a quantidade de empregos, garantir uma renda mínima universal dá a quem foi deslocado segurança.

É o que está faltando. Enquanto esta segurança não vier, o número de pessoas deslocadas para o precariado vai aumentar. Com eles, o protesto e a raiva.

Assista: Guy Standing explica sua visão em um TedX.

Assista também: Numa palestra bem mais longa, proferida na London School of Economics, Standing explica como se sustentaria sua visão de renda mínima.

O que grandes marcas de consumo podem fazer para concorrer no digital?

Os últimos anos têm sido pródigos em notícias sobre o fechamento de grandes cadeias de lojas físicas. Em artigo na Harvard Business Review, Howard Yu, professor de gestão e inovação na IMD, renomada escola de negócios suíça, explora como esta transição para o digital está afetando a estratégia de marketing daquelas que se consolidaram como principais marcas de consumo no século 20. É a outra ponta do varejo, e suas vendas estão em queda. Das 100 maiores, 90 perderam participação em seus mercados nos últimos anos.

Não significa que o mercado tenha entrado em estagnação. É o contrário: cresce. O problema para os grandes fabricantes é que maior parte do crescimento é capturado por novas marcas, que desenvolvem uma relação direta com seus clientes. O professor chama a atenção para o fato de que essa é uma característica clássica em momentos de inovação disruptiva.

Um exemplo do problema é a Procter & Gamble, que apesar de estar se reestruturando constantemente há 20 anos, não conseguiu ainda segurar as quedas nas vendas, que foram de US$ 83 bilhões em 2008 para US$ 65 bilhões, em 2017. Uma das sugestões, dada por um investidor ativista citado no artigo, seria que a P&G se especializasse em comprar marcas pequenas e médias que estejam ganhando tração. Sua expertise em pesquisa e marketing pode acelerar o crescimento das aquisições. Não é muito diferente do que fazem as diversas aceleradoras de startups. Yu diz ainda que a chinesa Xiaomi está justamente adotando essa estratégia. Investiu em 55 startups desde 2016. Pode parecer uma estratégia ousada, mas foi usando estratégias ousadas que empresas como a P&G se tornaram as gigantes que são.

Veja: Como em 1945 a P&G inovou e arriscou no lançamento do Tide e, em quatro anos, conseguiu torná-lo o sabão de lavar roupas mais vendido dos EUA.

BBC sobre o ACE, computador criado por Turing

Uma pequena preciosidade exibida pela BBC, em 1950, primórdios da TV: a reportagem sobre a entrada em operação do ACE, até então apenas o oitavo computador existente no mundo inteiro. Foi projetado pelo pai da computação, Alan Turing, que nessa época havia deixado o National Physics Laboratory por conta da perseguição que sofreu por sua homosexualidade. O texto com as especificações originais está disponível online. A história do cientista foi bem contada no filme O Jogo da Imitação (Trailer), com excelente interpretação de Benedict Cumberbatch no papel principal.

Galerias

Galeria: As melhores fotografias de drone de 2018.

Uma outra galeria: Flagrantes registrados em infravermelho.

E uma terceira: Florian Voggeneder fotografa os testes com roupas para passeios em Marte. É quase como se já estivessem lá.

E como sempre, os mais clicados da semana:

1. 20 Minutes: Galeria - Os protestos dos coletes amarelos na França.

2. Yahoo Brasil: Grafite com beijo de Trump com Bolsonaro é apagado no Ceará.

3. YouTube: O novo clipe de Cleo Pires com Mano Brown.

4. Curbed: Linha de móveis para se trabalhar da cama.

5. Venture Beat:Os vídeos mais populares no Youtube em 2018.

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24/04/24 • 11:00

Em seu café da manhã com jornalistas, na terça-feira desta semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sugeriu que a extrema direita nasceu, no Brasil, em 2013. Ele vê nas Jornadas de Junho daquele ano a explosão do caos em que o país foi mergulhado a partir dali. Mais de dez anos passados, Lula ainda não compreendeu que não era o bolsonarismo que estava nas ruas brasileiras naquele momento. E, no entanto, seu diagnóstico não está de todo errado. Porque algo aconteceu, sim, em 2013. O que aconteceu está diretamente ligado ao caos em que o Brasil mergulhou e explica muito do desacerto político que vivemos não só em Brasília mas em toda a sociedade. Em 2013, Twitter e Facebook instalaram algoritmos para determinar o que vemos ao entrar nas duas redes sociais.

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